terça-feira, 8 de outubro de 2013

Querida, você esteve maravilhosa



"...a desordem, em princípio, não me incomoda. São vestígios da vida. Mas Eduardo torceu o nariz, e aquilo foi a deixa para que voltasse à carga com sua atual obsessão predominante: que esta casa não reúne condições. Condições para quê – eu me pergunto –, se ele mal pára aqui? Mas enfim, ele cismou com isso. No carro já veio martelando no assunto, e eu só me fazendo de besta, porque se você discorda é pior ainda. Mas por trás desse tipo de comentário sempre palpita uma insinuação mais ou menos velada de que quem não reúne condições como dona de casa sou eu. É um tema já bem surrado, que agora volta com mais força por causa da minha recusa a organizar ágapes e demais festinhas como as que dão seus novos amigos. Recuso-me a corresponder a essa expectativa, a representar o papel da esposa de alta classe que disfarça seu cansaço atrás de um sorriso, dedica-se a conversas vazias, passa bandejinhas e vê toda a sua trabalheira recompensada com a frase típica: 'Querida, você esteve maravilhosa', que o marido lhe dedica assim que os convidados saem, sem que nenhum deles tenha se divertido nadinha."

Carmen Martín Gaite (1925-2000). Nebulosidade variável (1992). São Paulo: Companhia das Letras, 1997, p. 68

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