sábado, 19 de outubro de 2013

Cartas na rua



"Certa manhã eu organizava as cartas ao lado de G.G. Era assim que o chamavam: G.G. Seu verdadeiro nome era George Green. Mas há anos que o chamavam simplesmente de G.G., e depois de um tempo o apelido lhe caíra bem. Ele trabalhava como carteiro desde os seus vinte anos e agora estava com sessenta e muitos. Sua voz tinha sumido. Ele não falava. Grasnava. E quando grasnava, não dizia muita coisa. Não gostavam dele, mas também não chegavam a desgostar. Apenas estava ali. Seu rosto tinha se enrugado de modo a formar estranhos vincos e montículos de carne nada atraentes. Nenhuma luz irradiava de seu rosto. Não era mais que um velho camarada, endurecido pelo tempo, que tinha cumprido o seu trabalho: G.G. Os olhos pareciam pedaços mortos de argila socados nos globos oculares. O melhor que se podia fazer era não pensar nele, nem sequer olhá-lo."

Charles Bukowski (1920-1994). Cartas na rua (1971). Porto Alegre: L&PM, 2011, p. 42-3

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