sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

Na avenida Névski



"Às vezes, nos feriados, eu costumava ir para a Avenida Névski depois das três horas e ficava passeando no lado ensolarado. Melhor dizendo, eu não fazia propriamente um passeio, e sim sofria inúmeras torturas, humilhações e derrames de bile, mas talvez fosse disso que eu precisasse. Da maneira mais abominável, eu serpenteava como uma enguia entre os transeuntes, cedendo constantemente a passagem ora a generais, ora a oficiais da cavalaria ou dos hussardos, ora às senhoras; nesses instantes, eu sentia dores agudas no coração e um calor nas costas quando me lembrava da miséria de minha vestimenta e da insignificância e vulgaridade de minha serpenteante figurinha. Aquilo era um verdadeiro suplício, uma humilhação constante e insuportável, proveniente da ideia, que se tornava uma sensação insistente e concreta, de que eu era uma mosca no meio de toda aquela gente, uma reles mosca desnecessária — mais inteligente, mais culta e mais nobre do que todos eles, evidentemente —, porém, uma mosca que cede sempre diante de todos, que todos humilham e ofendem. Para que eu buscava tal sofrimento, por que eu ia à avenida Névski? Não sei dizer, mas alguma coisa simplesmente me arrastava para lá a cada oportunidade."

Fiódor Dostoiévski (1821-1881). Notas do subsolo (1864). Porto Alegre: L&PM, 2012. p. 64

Foto: Avenida Névski, São Petersburgo (século XIX)

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