sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

Morada terrestre



"Habito um castelo de cartas,
Uma casa de areia, um edifício no ar,
E passo os minutos esperando
O desmoronamento do muro, a chegada do raio,
O correio celeste com a última notícia,
A sentença que voa numa vespa,
A ordem como um látego de sangue
Dispersando ao vento uma cinza de anjos.
Então perderei minha morada terrestre
E me encontrarei nu novamente.
Os peixes, os astros,
Remontarão o curso de seus céus inversos.
Tudo o que é cor, pássaro ou nome,
Volverá a ser apenas um punhado de noite, 
E sobre os despojos de cifras e plumas
E o corpo do amor, feito de fruta e música,
Baixará por fim, como o sonho ou a sombra,
O pó sem memória."

Jorge Carrera Andrade (poeta equatoriano, 1903-1978). Morada terrestre. Tradução: Manuel Bandeira. In: Manuel Bandeira. Estrela da vida inteira. Rio de Janeiro: José Olympio, 1970. p. 417

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