sexta-feira, 25 de setembro de 2015

Death


"Did it matter then, she asked herself, walking towards Bond Street, did it matter that she must inevitably cease completely; all this must go on without her; did she resent it; or did it not become consoling to believe that death ended absolutely? but that somehow in the streets of London, on the ebb and flow of things, here, there, she survived, Peter survived, lived in each other, she being part, she was positive, of the trees at home; of the house there, ugly, rambling all to bits and pieces as it was; part of people she had never met (...)". 

Virginia Woolf (1882-1941). Mrs. Dalloway (1925). London: Penguin Books, 1996, p.11

domingo, 20 de setembro de 2015

Daqui a algum tempo


"Não há por que a minha literatura ter prioridade, existem coisas mais imediatas. Daqui a algum tempo, talvez, quando as pessoas tiverem tempo e vontade de olhar o mundo, de refletir. Normalmente, elas não têm tempo de fazer isso."

Hilda Hilst (1930-2004), poeta brasileira

Sou apenas um bloco de pedra

"Sou apenas um bloco de pedra para mim mesmo. Quero ficar dentro desse bloco, sem ser perturbado. Foi assim desde o começo. Resisti a meus pais, resisti à escola e depois resisti a tornar-me um cidadão decente. O que quer que eu fosse, fui desde o começo. Não queria que ninguém mexesse com isso. E ainda não quero."

Charles Bukowski (1920-1994). O capitão saiu para o almoço e os marinheiros tomaram conta do navio

Eu estava fechado



"Mas, aí, eu fiquei inteiriço. Com a dureza de querer, que espremi de minha sustância vexada, fui sendo outro – eu mesmo senti: eu Riobaldo, jagunço, homem de matar e morrer com a minha valentia. Riobaldo, homem, eu, sem pai, sem mãe, sem apêgo nenhum, sem pertencências. Pesei o pé no chão, acheguei meus dentes. Eu estava fechado, fechado na ideia, fechado no couro."

João Guimarães Rosa (1908-1967). Grande Sertão: Veredas (1956). Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001, p. 218

Tenência simples e constância miúda

"Digo ao senhor o que eu ia pensando: em nada. Só esforçava tenção numa coisa: que era que devia de guardar tenência simples e constância miúda, esperando a novidade de cada momento. Minha pessoa tomava para mim um valor enorme. Aquele pássaro mede-léguas erguia voo de pousado no meio da estrada, toda vez ia se abaixar dez braças mais adiante, do jeito mesmo, conforme comum esses fazem. Bobice dele – não via que o perigo torna a vir, sempre?"

João Guimarães Rosa (1908-1967). Grande Sertão: Veredas (1956). Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001, p. 218

O poder da arte

“Nós precisamos oferecer algo aos jovens que vá além do sucesso material. A resposta para isso é a arte. A arte é uma experiência espiritual. A arte é transcendental. A arte tem o poder de eletrificar e transformar a vida do ser humano. É uma forma de salvação neste vácuo que vemos hoje, nesta cultura pós-religiosa. É isso que quero oferecer aos jovens. (...)

Estamos em um período de grande impaciência com obras de arte complexas. É raro encontrar um jovem que se sinta atraído por Dostoiévski ou Kafka. (...)

Hoje em dia, os alunos não têm interesse nenhum por ler algo que seja longo, um romance extenso. Há sim um pequeno número que se atrai por isso, mas, hoje, em geral, os jovens querem coisas mais rápidas e fáceis. No começo da minha carreira, nos anos 1970, nós líamos romances muito longos, era isso que dávamos para os alunos, mas, com o tempo, eles pararam de ter paciência e passaram a detestar este tipo de literatura. Então, isso me preocupa.”

Camille Paglia. In: Fronteiras do Pensamento

Enlouqueça



“Um louco de verdade não acredita no ridículo, porque intuitivamente sabe que a vastidão do mundo abarca tantas possibilidades quanto é possível elas existirem. (...)

No palco da vida, quase todos os homens passam de uma coxia a outra como um jovem soldado que vai para a guerra: sem compreender seu sentido real, caminhando rumo ao fim com passos firmes, recheados de vazio e dor. Afogados em prudência espartana, reúnem todo seu espanto a restringir a própria vida e vigiar a alheia. (...)

Pobres prudentes, que se resumem a preto e branco, censurando o arco-íris de seus irmãos! Pobres prudentes, que fecham os olhos ao grande mar de vida em seus próprios corações! Fossem mais insanos, dedicariam seu tempo ao precioso autoconhecimento e não a debruçar-se sobre o que lhes desinteressa. (...)

Troque de roupa, de ideia, de rumo ou de amor. Livre-se de velhas dores, providencie novo começo, peça demissão, enfrente medos antigos, dispense a coerência e respire novos ares. Ninguém nunca disse que o caminho há de ser reto. Basta que ele seja.”

Fonte: Revista Bula

Raiva

"...a gente carece de fingir às vezes que raiva tem, mas raiva mesma nunca se deve de tolerar de ter. Porque, quando se curte raiva de alguém, é a mesma coisa que se autorizar que essa própria pessoa passe durante o tempo governando a ideia e o sentir da gente; o que isso era falta de soberania, e farta bobice, e fato é."

João Guimarães Rosa (1908-1967). Grande Sertão: Veredas (1956). Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001, p. 253

segunda-feira, 14 de setembro de 2015

A literatura em perigo



"Se hoje eu me pergunto por que amo a literatura, a resposta, que de forma espontânea vem à minha cabeça é: porque me ajuda a viver. Já não lhe peço, como na adolescência, que me evite as feridas que poderia sofrer nos meus contatos com pessoas reais. Mais que excluir as experiências vividas, me permite descobrir mundos que situam-se em continuidade com elas e entendê-las melhor. Creio que sou o único que a vê assim. A literatura, mais densa e eloquente que a vida cotidiana, mas não radicalmente diferente, amplia o nosso universo, nos convida a imaginar outras maneiras de concebê-lo e de organizá-lo. Todos nos conformamos a partir do que nos oferecem as outras pessoas: a princípio nossos pais, depois os que nos rodeiam. A literatura abre até o infinito esta possibilidade de interação com os outros, portanto, nos enriquece infinitamente. Nos oferece sensações insubstituíveis que fazem que o mundo real tenha mais sentido e seja mais belo. Não é só um simples divertimento, uma distração reservada às pessoas mais cultas, senão, permite que todos respondamos melhor a nossa vocação de seres humanos."

Tzvetan Todorov (1939-) La literatura en peligro (tradução: Fernanda Jiménez), p.17

sexta-feira, 11 de setembro de 2015

passarinho que se debruça...

"O que esse menino babeja vendo, é sangrarem galinha ou esfaquear porco. – 'Eu gosto de matar...' – uma ocasião ele pequenino me disse. Abriu em mim um susto; porque: passarinho que se debruça – o voo já está pronto!"

João Guimarães Rosa (1908-1967). Grande Sertão: Veredas (1956). Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001, p. 29

Um novo capitalismo

"Temos que redesenhar o sistema capitalista. Tudo o que dizem é ‘faça dinheiro, seja feliz’. Mas aí você ganha us$ 1 bilhão e não faz nada pelos outros. Para que serve us$ 1 bilhão? ‘Ah, dei emprego a muita gente.’ Sim, e pegou a riqueza para você. Concentração é tudo o que você produziu. (...)

Uma questão essencial está na ideia de emprego. Quem disse que nascemos para procurar emprego? A escola? Os professores? Os livros? Sua religião? Seus pais? Alguém colocou isso na cabeça das pessoas. O sistema educacional repete: ‘você tem que trabalhar duro’. Seres humanos não nasceram pra isso. O ser humano é cheio de poder criativo, mas o sistema o reduz a mero trabalhador, capaz de fazer trabalhos repetitivos. Isso é vergonhoso, está errado. As pessoas precisam crescer sabendo que é uma opção se tornar empregado, mas que existe a possibilidade de ser empreendedor, seguir o próprio caminho. É arriscado, incerto, há frustrações, mas é bem mais estimulante. Arrumar emprego é o que é seguro, garantido. Mas sua vida será limitada ao que decidirem por você. (...)

O capitalismo é uma ideia maravilhosa, porque dá opções. O problema está na ideia de que é preciso maximizar lucros e que só isso é aceitável como negócio. Não somos robôs fazedores de dinheiro. A vida não pode ser reduzida a uma busca egoísta como essa. Outra lógica é possível e há empresas interessadas."

Muhammad Yunus. Uma nova lógica. Texto: Micheline Alves. In: revistatrip.uol.com.br.

Pequenos prazeres

"...tantos perigos ameaçando, e a vida tão séria em cima, e eu mexendo e virando por via de pequenos prazeres. Sempre fui assim, descabido, desamarrado."

João Guimarães Rosa (1908-1967). Grande Sertão: Veredas (1956). Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001, p. 163

dar corpo ao suceder

"Queria entender do medo e da coragem, e da gã que empurra a gente para fazer tantos atos, dar corpo ao suceder. O que induz a gente para más ações estranhas, é que a gente está pertinho do que é nosso, por direito, e não sabe, não sabe, não sabe!"

João Guimarães Rosa (1908-1967). Grande Sertão: Veredas (1956). Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001, p. 116

sábado, 5 de setembro de 2015

Liberdade

"Sentia-se livre, como nunca antes havia sido em sua vida, e embora mal alimentado e portanto fraco, também se sentia com força para prolongar esse impulso de liberdade, de soberania, até onde fosse possível."

Roberto Bolaño (1953-2003). 2666. São Paulo: Companhia das Letras, 2010, p. 705

Literatura



"O senhor vai me dizer que a literatura não consiste unicamente em obras-primas mas está, sim, povoada de obras ditas menores. Eu também acreditava nisso. A literatura é um vasto bosque e as obras-primas são os lagos, as árvores imensas ou estranhíssimas, as eloquentes flores preciosas ou as grutas escondidas, mas um bosque também é composto de árvores comuns, de matagais, de charcos, de plantas parasitas, de cogumelos e florezinhas silvestres. (...)

Todo livro que não seja uma obra-prima é carne de canhão, esforçada infantaria, peça sacrificável, dado que reproduz, de múltiplas maneiras, o esquema da obra-prima."

Roberto Bolaño (1953-2003). 2666. São Paulo: Companhia das Letras, 2010, p. 747-8

Um livro velho também é o passado

"– Um livro velho também é o passado – disse Archimboldi –, um livro escrito e publicado em 1789 é o passado, seu autor já não existe, tampouco existe seu impressor nem seus primeiros leitores nem a época em que o livro foi escrito, mas o livro, a primeira edição desse livro, ainda está aqui. Como as pirâmides dos Astecas – disse Archimboldi."

Roberto Bolaño (1953-2003). 2666. São Paulo: Companhia das Letras, 2010, p. 791

Para dominar o ego


Diabo

"Explico ao senhor: o diabo vige dentro do homem, os crespos do homem – ou é o homem arruinado, ou o homem dos avessos. Solto, por si, cidadão, é que não tem diabo nenhum. Nenhum! – é o que digo."

João Guimarães Rosa (1908-1967). Grande Sertão: Veredas (1956). Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001, p. 26

passarinho que se debruça...

"Se a gente – conforme compadre meu Quelemém é quem diz – se a gente torna a encarnar renovado, eu cismo até que inimigo de morte pode vir como filho do inimigo. Mire veja: se me digo, tem um sujeito Pedro Pindó, vizinho daqui mais seis léguas, homem de bem por tudo em tudo, ele e a mulher dele, sempre sidos bons, de bem. Eles têm um filho duns dez anos, chamado Valtêi – nome moderno, é o que o povo daqui agora aprecêia, o senhor sabe. Pois essezinho, essezim, desde que algum entendimento alumiou nele, feito mostrou o que é: pedido madrasto, azedo queimador, gostoso de ruim de dentro do fundo das espécies da natureza. Em qual que judia, ao devagar, de todo bicho ou criaçãozinha pequena que pega; uma vez, encontrou uma crioula benta-bêbada dormindo, arranjou um caco de garrafa, lanhou em três pontos a popa da perna dela. O que esse menino babeja vendo, é sangrarem galinha ou esfaquear porco. – 'Eu gosto de matar...' – uma ocasião ele pequenino me disse. Abriu em mim um susto; porque: passarinho que se debruça – o voo já está pronto!"

João Guimarães Rosa (1908-1967). Grande Sertão: Veredas (1956). Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001, p. 29

Jagunço é isso


"Esbandalhados nós estávamos, escatimados naquela esfregada. Esmorecidos é que não. Nenhum se lastimava, filhos do dia, acho mesmo que ninguém se dizia de dar por assim. Jagunço é isso. Jagunço não se escabrêia com perda nem derrota – quase que tudo para ele é o igual. Nunca vi. Pra ele a vida já está assentada: comer, beber, apreciar mulher, brigar, e o fim final. E todo o mundo não presume assim? Fazendeiro, também? Querem é trovão em outubro e a tulha cheia de arroz."

João Guimarães Rosa (1908-1967). Grande Sertão: Veredas (1956). Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001, p. 72

Eu sou é eu mesmo

"Minha mulher, que o senhor sabe, zela por mim: muito reza. Ela é uma abençoável. Compadre meu Quelemém sempre diz que eu posso aquietar meu temer de consciência, que sendo bem-assistido, terríveis bons-espíritos me protegem. Ipe! Com gosto... Como é de são efeito, ajudo com meu querer acreditar. Mas nem sempre posso. O senhor saiba: eu toda a minha vida pensei por mim, forro, sou nascido diferente. Eu sou é eu mesmo. Divêrjo de todo o mundo... Eu quase que nada não sei. Mas desconfio de muita coisa. O senhor concedendo, eu digo: para pensar longe, sou cão mestre – o senhor solte em minha frente uma ideia ligeira, e eu rastreio essa por fundo de todos os matos, amém!"

João Guimarães Rosa (1908-1967). Grande Sertão: Veredas (1956). Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001, p. 31

Errantes


Eu acho, que



"E agora me lembro: no Ribeirão Entre-Ribeiros, o senhor vá ver a fazenda velha, onde tinha um cômodo quase do tamanho da casa, por debaixo dela, socavado no antro do chão – lá judiaram com escravos e pessoas, até aos pouquinhos matar... Mas, para não mentir, lhe digo: eu nisso não acredito. Reconditório de se ocultar ouro, tesouro e armas, munição, ou dinheiro falso moedado, isto sim. O senhor deve de ficar prevenido: esse povo diverte por demais com a baboseira, dum traque de jumento formam tufão de ventania. Por gosto de rebuliço. Querem-porque-querem inventar maravilhas glorionhas, depois eles mesmos acabam temendo e crendo. Parece que todo o mundo carece disso. Eu acho, que."

João Guimarães Rosa (1908-1967). Grande Sertão: Veredas (1956). Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001, p. 90