"Se a gente – conforme compadre meu Quelemém é quem diz – se a gente
torna a encarnar renovado, eu cismo até que inimigo de morte pode vir
como filho do inimigo. Mire veja: se me digo, tem um sujeito Pedro
Pindó, vizinho daqui mais seis léguas, homem de bem por tudo em tudo,
ele e a mulher dele, sempre sidos bons, de bem. Eles têm um filho duns
dez anos, chamado Valtêi – nome moderno, é o que o povo daqui agora
aprecêia, o senhor sabe. Pois essezinho, essezim, desde que algum
entendimento alumiou nele, feito mostrou o que é: pedido madrasto,
azedo queimador, gostoso de ruim de dentro do fundo das espécies da
natureza. Em qual que judia, ao devagar, de todo bicho ou criaçãozinha
pequena que pega; uma vez, encontrou uma crioula benta-bêbada dormindo,
arranjou um caco de garrafa, lanhou em três pontos a popa da perna dela.
O que esse menino babeja vendo, é sangrarem galinha ou esfaquear porco.
– 'Eu gosto de matar...' – uma ocasião ele pequenino me disse. Abriu em
mim um susto; porque: passarinho que se debruça – o voo já está
pronto!"
João Guimarães Rosa (1908-1967). Grande Sertão: Veredas (1956). Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001, p. 29
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