domingo, 30 de agosto de 2015

Banho de mar


"Durante a estada do seu regimento na Normandia, Reiter costumava se banhar nos rochedos de Portbail, perto de Ollonde, ou nos do norte de Carteret. Seu batalhão estava concentrado no vilarejo de Besneville. De manhã saía, com as armas e uma mochila onde levava queijo, pão e meia garrafa de vinho, e ia andando até a praia. Ali escolhia uma pedra, fora da vista de qualquer um, e, depois de nadar e mergulhar pelado horas a fio, se estendia em sua pedra e comia e bebia e relia seu livro 'Alguns animais e plantas do litoral europeu'.

Às vezes encontrava estrelas-do-mar, que ele ficava espiando tanto quanto seus pulmões aguentavam, até que finalmente se decidia a tocar nelas antes de emergir. Uma vez viu um par de peixes ósseos, Gobius paganellus, perdidos numa selva de algas, que ele seguiu por um instante (a selva de algas era como a cabeleira de um gigante morto), até que uma angústia estranha, poderosa, se apossou dele e ele teve de sair rapidamente, porque se houvesse ficado um pouco mais debaixo d'água a angústia o teria arrastado para o fundo.

Às vezes sentia-se tão bem, cochilando na sua laje úmida, que nunca mais teria se reincorporado ao batalhão. E em mais de uma ocasião pensou seriamente nisso, desertar, viver como um vagabundo na Normandia, encontrar uma gruta, comer da caridade dos camponeses ou de pequenos furtos que iria realizando e que ninguém denunciaria. Teria olhos de nictalope, pensou. Com o tempo minhas roupas ficariam reduzidas a farrapos e finalmente viveria nu. Nunca mais voltaria para a Alemanha. Um dia morreria afogado e radiante de felicidade."

Roberto Bolaño (1953-2003). 2666. São Paulo: Companhia das Letras, 2010, p. 644-5

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