"Aos
treze anos Hans Reiter parou de estudar. Isso aconteceu em 1933, ano em
que Hitler subiu ao poder. Aos doze tinha começado a estudar numa
escola do Arraial das Garotas Tagarelas. Mas, por várias razões, todas
elas perfeitamente justificáveis, não gostava da escola, de modo que se
distraía pelo caminho, que para ele não era horizontal ou acidentalmente
horizontal ou ziguezagueantemente horizontal, mas vertical, uma
prolongada queda para o fundo do mar onde tudo, as árvores,
o capim, os pântanos, os bichos, as cercas, se transformava em insetos
marinhos ou em crustáceos, em vida suspensa e alheia, em estrelas do mar
e aranhas do mar, cujo corpo, sabia o jovem Reiter, é tão minúsculo que
nele não cabe o estômago do animal, de modo que o estômago se estende
pelas suas patas, que por sua vez são enormes e misteriosas, quer dizer,
encerram (ou pelo menos para ele encerravam) um enigma, pois a aranha
do mar possui oito patas, quatro de cada lado, mais outro par de patas,
muito menores, na realidade infinitamente menores e inúteis, no extremo
mais próximo da cabeça, e essas patas ou patinhas diminutas pareciam ao
jovem Reiter que não eram isso, patas ou patinhas, e sim mãos, como se a
aranha do mar, num longo processo evolutivo, houvesse desenvolvido
finalmente dois braços e por conseguinte duas mãos, mas ainda não
soubesse que os tinha. Quanto tempo a aranha do mar ainda ia passar
ignorando que tinha mãos? (...)
E assim ia para a escola no Arraial das Garotas Tagarelas e,
evidentemente, sempre chegava tarde. E além do mais pensando em outras
coisas."
Roberto Bolaño (1953-2003). 2666. São Paulo: Companhia das Letras, 2010, p. 618
Roberto Bolaño (1953-2003). 2666. São Paulo: Companhia das Letras, 2010, p. 618
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