"Se não conseguimos enfrentar a heterorregulação autoritária e se 
também não conseguimos nos submeter totalmente a ela, vamos, portanto, 
passar a viver num estágio intermediário, instável e perigoso de vida, 
conhecido pelo nome de neurose. Esse estágio é caracterizado por 
sintomas típicos como a ansiedade, a angústia, a depressão e a fobia. 
Querer e não poder ser eu mesmo, querer e não poder viver o meu tipo de 
amor específico, querer e não poder criar com liberdade em função
 de pulsações interiores apenas, querer sentir-se com todo o desejo e 
direito a lutar pela própria auto-regulação e ao mesmo tempo se sentir 
impotente para isso causam na pessoa 'forte ansiedade', isto é, a 
sensação de urgência, de pressa e de medo ao mesmo tempo, como se 
estivéssemos ameaçados de morte caso não conseguíssemos realizar os 
anseios vitais.
Se já 
ultrapassamos para pior essa fase, se o que estamos vivendo agora prova a
 dificuldade aparentemente insuperável de realizar nossos anseios 
vitais, algo surge em nós que supera a ansiedade e passamos a viver 
dominados por outro sintoma, ainda mais doloroso, como se estivéssemos 
amarrados, constrangidos, imobilizados, asfixiados. Estamos descrevendo a
 'angústia', que, em geral, descrevemos como um aperto quase físico 
entre o peito e a garganta. A palavra angústia vem do latim 'angor', que
 quer dizer aperto, estreitamento.
Dessas sensações de urgência 
vital para realizar os anseios de auto-regulação espontânea e original e
 de aprisionamento, imobilização, asfixia, podemos passar a algo quase 
insuportável, uma vez que já possuímos características de derrota 
completa e sentimo-nos em ameaça de morte iminente. Trata-se da 
'depressão', caso em que nossas forças parecem estar indo embora e 
levando a esperança e a possibilidade de qualquer reação.
O medo 
da morte se identifica com o medo das coisas, forças ou pessoas que nos 
heterorregulam. Assim, começamos a viver o sintoma chamado 'fobia'. 
Diante do medo total e aparentemente inespecífico e sem causa evidente, 
nos isolamos, nos escondemos, nos imobilizamos, para, finalmente, em um 
gesto no qual utilizamos o saldo de energia que nos sobrou dessa luta 
inglória, dar os últimos passos que nos restam: aceitar passiva e 
obedientemente a heterorregulação e embarcar, com a grande massa de 
'cordeiros' dos sistemas políticos autoritários, no genocídio ecológico 
das sociedades heterorreguladoras e antinaturais; ou enlouquecemos, quer
 dizer, deixamo-nos dividir em pelo menos dois, nos esquizofrenizamos de
 modo a nos tornar irresponsáveis, irrazoáveis e insociáveis; ou, 
finalmente, nos deixamos suicidar como consequência de nossa 
incapacidade, tanto de viver de modo autônomo quanto submetidos à 
heterorregulação."
Roberto Freire (1927-2008). Penso, logo 
hesito. In: Roberto Freire. O tesão pela vida: SOMA, uma terapia 
anarquista. São Paulo: Francis, 2006, p. 47-8