quinta-feira, 5 de novembro de 2015

Tesão de viver


"...o tesão de viver só é possível ser alcançado se a vivência biológica e espiritual da pessoa pende mais, proporcionalmente, para o lado do prazer. Mas ninguém pode estar sentindo prazer por qualquer coisa se não sentir também, e ao mesmo tempo, alguma dor no contato ou vivência com o oposto do que nos causa prazer. Portanto, colocar o prato da balança com mais peso no sentido do prazer nos obriga a fazer uma opção ideológica e, em seguida, uma ação política que nos leve à rejeição do que nos causa qualquer forma de dor e, simultaneamente, a opção pela vivência mais plena do que nos provoca prazer. Estou querendo dizer que o gosto do prazer só é identificável (e isso é exclusivamente individual) se já sentimos o gosto da dor, que corresponde à vivência da experiência oposta do que nos provocou prazer. O contrário também é verdade. Exemplo: se eu não odiar as pessoas, não poderei amar ninguém; se eu não for odiado por algumas pessoas, não poderei ser amado por ninguém. Ou ainda, em outra instância: se eu não trabalhei, sofrendo e me frustrando em coisas contrárias à minha vocação, não poderei avaliar a totalidade do prazer que significa poder criar e produzir de acordo com meus potenciais humanos originais. Claro, embora sejam muito raras, existem algumas pessoas sortudas, aquelas que só conhecem o mel e o sal da existência, não tendo tido nunca necessidade de fazer o que não gosta e conviver com quem não ama."

Roberto Freire (1927-2008). Sem tesão não há solução. São Paulo: Trigrama, 1990, p. 61

Nenhum comentário: