sábado, 4 de janeiro de 2014

Tempo



"A linguagem da escrita de um homem vem de onde ele vive e de como vive. Fui um vagabundo e um trabalhador comum por quase toda a minha vida. As conversas que eu ouvia passavam longe da erudição. E nos meus anos de vida tive muito pouco contato com pessoas ricas. Eu estava enfiado em poços fétidos. Era um pouco louco, mas era um tipo incomum de loucura porque eu a cultivava. Permitia que minha mente ficasse andando em círculos, para morder seu próprio rabo. Eu atiçava meus instintos, alimentava meus preconceitos. A solidão era meu ás de espadas, precisava dela para engrandecer minha realidade. Eu valorizava de verdade o ócio, era viciante. Estar sozinho comigo mesmo era o santuário. Certa vez numa cidade descobri um cemitério abandonado e lá eu dormia ressacado, com o sol a pino. Em outra cidade, ficava sentado horas a fio olhando para um canal sujo e fedorento, sem pensar realmente em nada. Eu precisava de horas, dias, semanas, anos para mim mesmo. Descobri todo tipo de tugúrio enquanto passava fome. Tinha a habilidade de fazer com que um pouco de dinheiro durasse muito. Sacrificava qualquer coisa em nome do tempo. E para ficar fora das tendências."

Charles Bukowski (1920-1994). Pedaços de um caderno manchado de vinho. Porto Alegre: L&PM, 2013. p. 326

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