terça-feira, 2 de setembro de 2014

Bulha



"Às vezes me levanto de madrugada, com sede,
flocos de sonho pegados na minha roupa,
vou olhar os meninos nas suas camas.
O que nestas horas mais sei é: morre-se.
...
A menina que durante o dia desejou um vestido
está dormindo esquecida e isto é triste demais,
porque ela falou comigo: 'acho que fica melhor com babado'
e riu meio sorriso, embaraçada por tamanha alegria.
Como é possível que a nós, mortais, se aumente o brilho nos olhos
porque o vestido é azul e tem um laço?
Eu bebo a água e é uma água amarga
e acho o sexo frágil, mesmo o sexo do homem."

Adélia Prado (1935-). Bulha. In: O coração disparado (1978). Poesia reunida. São Paulo: Arx, 1991, p. 256

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