Tsvetaeva recusa sem hesitar o
dualismo da arte e da vida. No entanto, mesmo que superando essa separação, opõe
céu e terra, interior e exterior, ser e existir, imortalidade e vida – dualismo
bem mais antigo, já que provém não da revolução romântica, mas daquela dos
monoteístas, que opõem o Deus infinito ao mundo finito. Embaixo, portanto, a
existência cotidiana (byt) odiosa,
pois consagrada à simples sobrevivência: dia após dia, devemos, por nós e pelos
outros (sobretudo quando se é mulher e mãe), nos levantar, procurar água para
beber, alimento para comer, lenha para se aquecer, devemos passear com os
filhos, dar-lhes banho, cuidar deles quando ficam doentes. Tudo isso é a “materialidade
não transfigurada”, um rochedo que é preciso recomeçar a escalar todos os dias.
É o que os outros chamam de vida. Portanto, Tsvetaeva não ama a vida nesse
sentido restrito da palavra, não tem êxito nesse tipo de vida. “Não amo a vida
terrestre, jamais a amei.” “Não sei viver aqui embaixo.” “Não posso viver, isto
é, durar, eu não sei viver os dias, cada dia.”
Na falta de habitar essa vida,
Tsvetaeva se refugia em outra, preferindo o interior ao exterior, o ser, à
existência, o céu, à terra. “Amo o céu e os anjos: lá em cima e com eles eu
saberia como proceder.” No outro mundo, no alto, ela atingirá o júbilo; no
reino da Alma ela será a primeira, no juízo final do verbo, a justiça lhe será
feita. Esse outro mundo, mais concretamente, se chama vida interior, ou ainda
alma. Tsvetaeva tem que se resignar a ater-se a ele: habitá-lo é sua “doença
incurável”. (...) “Ela não existe, a vida que teria suportado minha presença.” Mais
exatamente, é da própria impossibilidade de viver feliz nessa vida que
Tsvetaeva deduz a necessidade de uma realidade superior: “A vida me acua cada
vez mais (profundamente) para o interior. (...) Viver não me dá prazer e essa
rejeição me faz concluir muito claramente que outra coisa existe no mundo. (Manifestamente,
a imortalidade)”.
Tzvetan Todorov. A Beleza salvará o Mundo (Wilde, Rilke e Tsvetaeva: os aventureiros do absoluto). Rio de Janeiro: Difel, 2011. p. 193-4
Um comentário:
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