"No fundo, Ana sempre tivera necessidade de
sentir a raiz firme das coisas. E isso um lar perplexamente lhe dera.
Por caminhos tortos, viera a cair num destino de mulher, com a surpresa
de nele caber como se o tivesse inventado. O homem com
quem casara era um homem verdadeiro, os filhos que tivera eram filhos
verdadeiros. Sua juventude anterior parecia-lhe estranha como uma doença
de vida. Dela havia aos poucos emergido para descobrir que também sem a
felicidade se vivia: abolindo-a, encontrara uma legião de pessoas,
antes invisíveis, que viviam como quem trabalha - com persistência,
continuidade, alegria. O que sucedera a Ana antes de ter o lar estava
para sempre fora de seu alcance: uma exaltação perturbada que tantas
vezes se confundira com felicidade insuportável. Criara em troca algo
enfim compreensível, uma vida de adulto. Assim ela o quisera e
escolhera.
Sua precaução reduzia-se a tomar cuidado na hora perigosa da tarde, quando a casa estava vazia sem precisar mais dela, o sol alto, cada membro da família distribuído nas suas funções. Olhando os móveis limpos, seu coração se apertava um pouco em espanto. Mas na sua vida não havia lugar para que sentisse ternura pelo seu espanto - ela o abafava com a mesma habilidade que as lides em casa lhe haviam transmitido."
Clarice Lispector. Laços de família (1960). 24ª ed. Rio de janeiro: Francisco Alves, 1993. p. 30-1
Sua precaução reduzia-se a tomar cuidado na hora perigosa da tarde, quando a casa estava vazia sem precisar mais dela, o sol alto, cada membro da família distribuído nas suas funções. Olhando os móveis limpos, seu coração se apertava um pouco em espanto. Mas na sua vida não havia lugar para que sentisse ternura pelo seu espanto - ela o abafava com a mesma habilidade que as lides em casa lhe haviam transmitido."
Clarice Lispector. Laços de família (1960). 24ª ed. Rio de janeiro: Francisco Alves, 1993. p. 30-1
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