quinta-feira, 15 de dezembro de 2022

OBRAS

Ele mora num bairro tranquilo, longe do centro, mas ultimamente os vizinhos estão muito atarefados com as reformas de suas casas, o que provoca um coro de barulhos insuportável. São três vizinhos com reforma, um na frente, um ao lado e outro no fundo. Pelo menos não há barulho à noite, depois das sete, o que não adianta muito, porque ele sofre de insônia e está em desmame do remédio que toma para dormir. Seu psiquiatra adotou uma estratégia bem conservadora para tirar o remédio: trocar os comprimidos pela versão em gotas, fazer a correspondência entre a dosagem diária em comprimido com a dosagem em gotas, e tirar uma gota por semana. Esta semana ele está em seis gotas e desesperado, porque seu cérebro decidiu não desligar quando deveria, deixando-o acordado na cama ou perambulando pela casa até por volta de duas e meia da madrugada, quando finalmente consegue dormir. Mas ele também não coopera: toma duas ou três xícaras de café depois das dez, fuma tanto que as paredes do quarto estão todas amarelas e impregnadas com cheiro de nicotina, ouve música, assiste a jornais e novelas, levanta peso – nada que facilite o sono. No outro dia, quando sai para trabalhar, está um bagaço, cansado, desanimado, com os olhos vermelhos, abrindo a boca de cinco em cinco segundos, o que torna sua jornada no escritório uma verdadeira tortura. 

Ele trabalha de sete da manhã ao meio-dia, de segunda a sábado, e à tarde escreve contos e crônicas, o que ultimamente tem sido complicado, por causa do barulho.

Hoje ele resolveu assistir ao vai e vem dos pedreiros na obra da casa ao lado. Sentou-se na calçada, fumando um cigarro, e observou o trabalho daqueles que classificou como serventes, por serem mais jovens e fazerem o serviço mais pesado. O pedreiro era com certeza o mais velho, que dava ordens e orientava. Estavam construindo um segundo piso na casa, onde provavelmente seria uma suíte, com janelas grandes de correr dando para a rua.

Observou tanto os homens trabalhando, que resolveu escrever um conto sobre eles. Foi para casa e mesmo com o barulho das obras lhe assaltando a cabeça por todos os lados, escreveu um texto que lhe agradou muito. De manhã tinha realizado um trabalho que detestava: fechar folhas de pagamento de funcionários. Na verdade, detestava tudo que fazia no escritório. Sua recompensa vinha à tarde, quando podia escrever. Era seu maior prazer. O problema é que, se dependesse de escrever para sobreviver, certamente morreria de fome. A vida é assim. Há aqueles sortudos que conseguem amar o que fazem e ganhar bem a vida com isso, e aqueles que amam fazer coisas que não lhes rendem nem um tostão furado e têm que trabalhar em serviços que odeiam até se aposentarem, se não morrerem antes.

É noite. Ele acaba de comer um talharim ao molho branco e coloca água para ferver para fazer um café. Acende um cigarro, vai até a sala e se debruça sobre a janela da frente. Vê os besouros batendo nas luzes dos postes e um gato preto atravessando a rua. Está tudo silencioso e tranquilo. Vai à cozinha, e enquanto fuma mais um cigarro, pensa nos dias em que terá todo o tempo livre para escrever, sem insônia, sem barulho, sem trabalho. Suas obras...    

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