sexta-feira, 21 de agosto de 2015

Hans Reiter

"Aos treze anos Hans Reiter parou de estudar. Isso aconteceu em 1933, ano em que Hitler subiu ao poder. Aos doze tinha começado a estudar numa escola do Arraial das Garotas Tagarelas. Mas, por várias razões, todas elas perfeitamente justificáveis, não gostava da escola, de modo que se distraía pelo caminho, que para ele não era horizontal ou acidentalmente horizontal ou ziguezagueantemente horizontal, mas vertical, uma prolongada queda para o fundo do mar onde tudo, as árvores, o capim, os pântanos, os bichos, as cercas, se transformava em insetos marinhos ou em crustáceos, em vida suspensa e alheia, em estrelas do mar e aranhas do mar, cujo corpo, sabia o jovem Reiter, é tão minúsculo que nele não cabe o estômago do animal, de modo que o estômago se estende pelas suas patas, que por sua vez são enormes e misteriosas, quer dizer, encerram (ou pelo menos para ele encerravam) um enigma, pois a aranha do mar possui oito patas, quatro de cada lado, mais outro par de patas, muito menores, na realidade infinitamente menores e inúteis, no extremo mais próximo da cabeça, e essas patas ou patinhas diminutas pareciam ao jovem Reiter que não eram isso, patas ou patinhas, e sim mãos, como se a aranha do mar, num longo processo evolutivo, houvesse desenvolvido finalmente dois braços e por conseguinte duas mãos, mas ainda não soubesse que os tinha. Quanto tempo a aranha do mar ainda ia passar ignorando que tinha mãos? (...)

E assim ia para a escola no Arraial das Garotas Tagarelas e, evidentemente, sempre chegava tarde. E além do mais pensando em outras coisas."

Roberto Bolaño (1953-2003). 2666. São Paulo: Companhia das Letras, 2010, p. 618

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