sábado, 15 de março de 2014

Paredes azuis



"A casa onde eu morava nessa época tinha algumas qualidades. Uma das mais bacanas era o quarto, pintado de um azul muito escuro. Esse azul muito escuro oferecia um abrigo para muitas ressacas, algumas delas suficientemente brutais para matar um homem, sobretudo numa época em que eu engolia as pílulas que as pessoas me davam sem me preocupar em perguntar o que eram. Algumas noites eu sabia que, se adormecesse, morreria. Ficava dando voltas sozinho a noite toda, do quarto ao banheiro e do banheiro à cozinha, passando pela sala da frente. Abria e fechava a geladeira, repetidas vezes. Abria e fechava as torneiras. Ia ao banheiro e abria e fechava as torneiras. Dava descargas na privada. Puxava as orelhas. Inspirava e expirava. Depois, quando o sol saía, eu sabia que estava salvo. Aí dormia com as paredes azuis azuis azuis, curando-me."

Charles Bukowski (1920-1994). Hollywood (1989). Porto Alegre: L&PM, 2012. p. 58

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