sábado, 21 de fevereiro de 2009

Do Rossio à Rua da Madalena

Meu lugar favorito de Lisboa, naturalmente, é o Rossio, onde invariavelmente desemboco pela mesma saída do Metro, em cima da Suíça, uma pastelaria de dezenas de mesas na calçada, em que as pessoas passam o dia todo tomando um cafezinho (uma "bica”) mordiscando bolinhos e paquerando as nórdicas que ali vêm fazer a praça. Graves decisões: vou na direção do Café Nicola ou passo antes pela Praça da Figueira? Nós, vagabundos, temos problemas como quaisquer outros mortais. Pela Praça da Figueira, eu pego a rua da Madalena, onde se situa minha ervanária favorita. Julgo de bom alvitre passar pela ervanária, afinal há muito tempo que não vou lá, preciso saber das novidades. E, assim, imerso num incrível rebuliço de gente, cheiros, cores e ruídos, marcho para a Praça da Figueira. Há um camelô muito sério, demonstrando um fantástico cortador de vidro. Pega lâminas de vidro de uma caixa e, conversando em alta velocidade, corta fatias de vidro como alguém tiraria rodelas de uma cenoura. "Quanto é o cortador aí?" pergunto eu, subitamente, achando que não posso passar sem um cortador de vidro — não há coisa mais indispensável para um escritor. São 150 escudos, pago sem discutir e vou de cortador em punho para a ervanária, cujo cheiro indescritível já começo a sentir desde a esquina. Lembro os prospectos: há chás e tisanas para tudo, inclusive para duas doenças que pretendo divulgar bastante, quando voltar ao Brasil: a fraqueza nervosa (da qual já padeço, esporadicamente) e o afrontamento de senhoras. Ainda não consegui informações precisas a respeito do que é o afrontamento de senhoras e tive vergonha de perguntar ao caixeiro meu amigo, na ervanária. Mas qualquer um concordará que se trata de uma enfermidade a ser gravemente considerada. Resolvo levar alguns sacos de chá para afrontamento de senhoras, quando voltar ao Brasil, em meio a minha bagagem de ervas milagrosas, com as quais pretendo receitar todo mundo. Na ervanária, não muitas novidades, a não ser umas pílulas de alho de fabricação revolucionária, que o caixeiro me recomenda com ênfase. Mas, as antigas? — pergunto eu, hesitante. Continuam boas, responde ele, mas nestas cá vê-se o óleo através das cápsulas. De fato, vê-se o óleo. É um argumento irresistível. Compro duas caixas, umas certas pílulas de pau d'arco, uma garrafinha de extrato de ginseng, mais umas miudezas e, com meu saquinho, volto pausadamente à Praça da Figueira, parando para olhar as vitrinas (as montras, perdão) de comida, arrumadas das maneiras mais caleidoscópicas pelas ruelas em volta do Castelo de São Jorge: sapatas, amêijoas, santolas, chamuças, carapaus, fiambres, chouriços, ginjinhas. De vez em quando, eu entro num desses estabelecimentos, só para ver a exposição das comilanças. Eles vêm ver o que eu quero e, quando explico que estou ali somente para uma espécie de fruir estético, eles até me oferecem, de vez em quando, uma excursão turística pela despensa e pela cozinha. Marco mentalmente o meu almoço: vou ao restaurante de Mimi, no Parque Meyer, comer na varanda, entre as plantas e alguns velhos atores de teatro de revista, conversando com os gatos e tomando o vinho da casa.

João Ubaldo Ribeiro

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