Enquanto escrevo este texto, sinto meu estômago se revirar. É como se eu quisesse vomitar e não chegasse a me sentir tão mal a ponto de fazê-lo. Em qualquer posição que eu fique, a sensação está lá. Some quando resolve sumir, o que pode acontecer em alguns minutos ou horas.
Depois das cinco cirurgias a que fui submetido no intestino e estômago, sinto essa aflição com frequência. Não consigo explicar o que acontece comigo, mas o médico que fez minha última endoscopia disse que está tudo normal, que as cirurgias foram difíceis, muita coisa foi mexida, mas que, fora um mal-estar eventual, dependendo do tipo de alimento que eu ingerir, não haveria mais nada que fugisse da normalidade. Parece que ele falou sobre o processo de esvaziamento do estômago, que pode ter sido afetado pelas cirurgias, mas nada preocupante. Estou bem. Depois do que passei no hospital, esse mal-estar é praticamente nada. Tento analisar tudo dentro de um contexto que engloba o que outras pessoas passam e, principalmente, as dificuldades que enfrentei e superei.
Passei por períodos tenebrosos no CTI. Na terceira cirurgia, que corrigiu o que deu errado na primeira e na segunda, acordei numa sala muito iluminada, sentindo dores excruciantes no alto e baixo ventre. Havia pequenas mangueiras saindo de baixo do cobertor que cobria o local da cirurgia, cada uma drenando um líquido diferente. Do meu nariz também saía uma mangueirinha, que escoava uma água escura que vinha do meu estômago. Havia um aparelho ligado ao meu corpo que fornecia todos os meus dados vitais a quem pudesse interessar. As horas passavam lentamente. Entre o vai e vem das técnicas de enfermagem, de vez em quando aparecia um médico, com uma prancheta nas mãos, fazendo anotações. Eu não podia me alimentar pela boca, nem água eu podia tomar, só soro na veia e um tipo de alimentação líquida que era introduzida no meu corpo por uma artéria no pescoço.
Na segunda noite no CTI, tive direito a um banho de leito e a um pouco de água nos meus lábios ressecados. Não vou entrar em detalhes sobre o que é um banho de leito. Duas enfermeiras chegaram com os utensílios necessários, mexeram meu corpo de um lado para o outro, esfregando-o com toalhas úmidas, trocaram a roupa de cama e terminaram o serviço. Nessa noite, depois do banho, uma das enfermeiras me trouxe um pouco de água e molhou meus lábios com um paninho. Fazia muito calor. Tanto o banho quanto a água nos lábios me trouxeram um alívio indescritível. Acho que posso chamar o que senti de prazer, ou de uma grande alegria. Eu não pensava na vida fora do hospital. Minha realidade era aquilo: uma cama de CTI, meu corpo ligado a sondas e fios, sentindo sede e dores lancinantes. Não havia previsão de alta. Eu era um paciente de risco. Esse era o meu mundo. Para suportar minha situação, eu não pensava no futuro, só no agora, nos próximos minutos, no máximo nas próximas duas ou três horas.
Eu vivia numa bolha, num círculo estreito no qual ganhar alta do hospital era algo muito distante no tempo e no espaço. Nessa bolha, pequenos prazeres, como um banho de leito e um pouco de água nos lábios, eram o suprassumo da alegria. Quando tiraram a sonda do meu nariz, no terceiro dia de CTI, o prazer foi tão grande, que era como se eu tivesse trocado de vida, saído de uma bolha pequena e ganhado mais espaço e mais alegria de viver. No vigésimo dia de internação, já no quarto e tomando banho no banheiro, quando me autorizaram a dieta líquida, fui no céu e voltei. Finalmente, dieta líquida! Depois, tudo foi melhorando rapidamente: dieta leve, dieta liberada, retirada das sondas que saíam da minha barriga, passeios pelo corredor, enfim: a alta já podia ser vislumbrada.
Hoje vejo minha vida a partir de uma perspectiva que eu chamo de perspectiva da bolha. Meus limites são bem maiores do que os que eu via a partir da cama do CTI, mas procuro não os ampliar muito, para não me perder em sonhos grandiosos demais e não sentir prazer nas pequenas coisas boas que eu tenho e me acontecem todos os dias. Respiro bem, como bem, tenho meus filhos e esposa perto de mim, posso ler e escrever. Dentro daquela bolha do CTI, o que eu tenho hoje era quase inimaginável. Agora eu tenho. Posso estabelecer objetivos além dos limites da minha bolha atual, mas não preciso de tanto, dá para viver bem assim, como estou, melhorando um pouco de cada vez, aqui e ali, crescendo acolá, e só. Viver não precisa ser tão complicado.
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