Quem foi o homem que há
mais de duzentos anos seguiu por este caminho, margeando o ribeirão, e entrou nesta
casa, carregando um saco de milho ou feijão? Ou talvez levando uma flor, um
crucifixo, ou quem sabe um livro?
Numa casa antiga como
esta, muita coisa aconteceu, e é bem provável que, em seus primórdios, um homem
tenha entrado nela carregando um saco de mantimentos, uma flor, um crucifixo ou
um livro. E tenha conversado com as pessoas lá dentro, almoçado ou jantado.
Fico imaginando as pessoas
entrando na casa, cumprimentando-se, comendo, sorrindo, chorando, sentindo as
roupas apertadas ou largas sobre seus corpos, o gosto da comida, o frescor da
água, a quentura e o sabor do café.
Descobrimos num cartório
um documento que diz que, no início do século XX, esta casa tinha vários
cômodos, instalações sanitárias e de luz elétrica, um local de despejo, uma
casa anexa com um moinho de fubá, um rego d’água, açude, um galinheiro coberto
de telhas e cercado com tela de arame, e, fazendo parte da propriedade, um
pomar em bom estado de conservação, uma jazida de pedra sabão e vinte hectares
de terras de vargem e melado.
Hoje, preservada, a casa
continua com vários cômodos, mas não sabemos onde era a casa de despejo nem
onde ficavam o moinho, o galinheiro, o pomar e a jazida de pedra sabão (ou
pedra talco, como era conhecida). A investigação só está começando.
Somos três historiadores
e um ilustrador. Vamos escrever um livro ilustrado sobre a história desta casa,
suas terras e seus principais moradores.
Sento-me na escada que dá
acesso ao salão principal. Vejo uma mulher negra de pé, perto de uma pedra, a
pouca distância de onde estou, olhando para mim. Seu cabelo está todo
desgrenhado e seu vestido rasgado. Quem é ela? De repente vejo homens a cavalo
chegando. A mulher sai correndo e se embrenha na mata. Os homens vão atrás,
gritando.
Entro na casa. O piso de
madeira antiga faz barulho sob meus pés. Vejo quadros na parede, um sofá azul,
com detalhes barrocos, e um jarro com flores vermelhas aveludadas. As janelas
são grandes e estão abertas.
Vou à cozinha, sento-me
numa cadeira, perto de um armário, e começo a folhear um livro com ilustrações
muito antigas da casa. Ouço barulhos de panelas. Uma mulher prepara o almoço: costelinha
de porco, arroz, feijão fradinho, couve e angu. A família chega e se acomoda na
grande mesa da cozinha e, enquanto come, conversa sobre o que cada um fez
durante o dia. Um rapaz diz que seus camaradas de Pitangui vão esperá-lo amanhã
bem cedo na saída do arraial para irem ao Curral Del Rei. Vão comprar iguarias
que não são produzidas ali, para vender em toda a região: roupas, vestidos,
pólvora, metais, queijos e vinhos portugueses.
Caminho pelo quintal e
vejo um rego d’água indo em direção a uma casa pequena praticamente emendada à
casa principal. Entro e encontro um moinho de fubá, girando lentamente com a
força da água. Um homem negro, manuseando um instrumento parecido com uma pá,
coloca o fubá em sacos e junta tudo em um canto. Ele trabalha sem parar.
Acordo do meu sonho e não
vejo mais ninguém. O moinho desapareceu. A sala e a cozinha estão vazias. Estou
cansado, mas quero ler, pesquisar, escrever, sonhar. Precisamos trabalhar.
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