Sonho que estou na cozinha preparando uma vitamina de mamão com aveia e mel.
Sou um homem urbano,
casado, com filhos, mas no sonho moro no campo, sozinho, numa casa pequena e
agradável, e passo grande parte do meu tempo cuidando de abelhas, que produzem
o mel que eu vendo na cidade e doo a um centro de desintoxicação para
dependentes químicos que fica perto da minha propriedade.
Vejo-me trabalhando nas
colmeias, tirando e colocando quadros repletos de favos, verificando a
produção.
Num flash, o cenário muda
e estou conversando com um senhor idoso, que, ao que parece, dirige o centro de
desintoxicação. Vejo alguns dos abrigados circulando pelo pátio, conversando,
fumando, alguns altivos e gritadores, outros cabisbaixos e silenciosos, só
ouvindo. Uma turma está no campo, cuidando da horta, das vacas e cabras. Eles produzem
queijo, que vendem por um bom preço nos mercados da região.
Vejo agora queijos
maturando numa sala climatizada e com azulejos brancos nas paredes, muito
limpa. Um rapaz está lá dentro, observando a produção e tomando notas numa
caderneta.
De repente estou de novo
conversando com o velho, que me diz frases soltas, como “eles andam descalços
na horta e no curral”, “o caminho que leva à cachoeira é muito estreito”, “à
noite sirvo chá com bolachas”, “gosto de colocar mel na vitamina que faço no
meio da tarde”.
E assim estou de volta à
cozinha da minha casa, preparando uma vitamina de mamão com aveia e mel. Não
consigo sair dali. Preparo a bebida várias vezes, enquanto cenas e imagens
nebulosas se formam na minha cabeça.
Com o som do
liquidificador ao fundo, vejo-me deitado numa cama beliche, no centro de desintoxicação
para dependentes químicos. Sou um paciente (ou abrigado, não sei como se diz),
e é noite, tento dormir, mas não consigo. Sinto uma agitação estranha, uma
inquietação, que me faz mover os pés freneticamente. O lençol se solta das
bordas da cama e meu cobertor cai no chão. Uma mulher de olhos tranquilos me
traz um comprimido, que eu tomo, e em pouco tempo me sinto melhor.
O liquidificador continua
rugindo. Tiro a tampa do copo e coloco mais mel. Gosto com muito mel. Sento-me
numa cadeira e começo a escrever: “As abelhas seguem o caminho que leva à
cachoeira à procura de flores e água. Estão acostumadas a beber água no riacho.”
Paro. Não sei mais o que escrever. Desligo o liquidificador e, finalmente, posso
beber um copo da vitamina. Está deliciosa.
Tiro os sapatos, pego uma
agulha, que desinfeto no fogo, cruzo uma das pernas e começo a procurar bichos
de pé. Não vejo nada de anormal. Levanto a outra perna e também não encontro
nada. Não ando descalço em currais e hortas, sou muito cuidadoso. Calço de novo
os sapatos e saio em direção às caixas de abelhas. Elas estão calmas hoje. Não
exigem muito de mim.
Sigo pelo caminho
estreito, cercado de matos, até a cachoeira. Lá tiro meu macacão de trabalhar
com as abelhas, minhas roupas de baixo, e entro no lago formado pela queda
d’água. Está gelado, mas vou até onde não dá mais pé e mergulho fundo. É bom. Sinto-me
rejuvenescer. Sou jovem de novo, cheio de vida, não preciso me preocupar com
nada.
Quando acordo, vejo a
imagem da cachoeira se distanciando em névoa, e a realidade cai sobre mim como
uma pedra enorme se soltando de um prédio. Sou velho, feio, cheio de contas
para pagar, mas estou bem, sou forte, vou seguir em frente, até o fim.
Levanto-me da cama e preparo um chá de camomila, que tomo comendo bolachas de coco. Coloco a bolacha quase inteira no chá, até amolecer, e ponho tudo na boca. A parte molhada se dissolve rapidamente, a seca, eu mastigo, sentindo a crocância do biscoito e o sabor distante do coco.
Enquanto como mais uma bolacha, observando da janela um avião que se distancia no horizonte de prédios e luzes, penso nas abelhas se alimentando, trabalhando, vivendo, sem raciocinar, sem se preocupar, simplesmente sendo...
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