Ele mora num bairro tranquilo, longe do centro, mas ultimamente os vizinhos estão muito atarefados com as reformas de suas casas, o que provoca um coro de barulhos insuportável. São três vizinhos com reforma, um na frente, um ao lado e outro no fundo. Pelo menos não há barulho à noite, depois das sete, o que não adianta muito, porque ele sofre de insônia e está em desmame do remédio que toma para dormir. Seu psiquiatra adotou uma estratégia bem conservadora para tirar o remédio: trocar os comprimidos pela versão em gotas, fazer a correspondência entre a dosagem diária em comprimido com a dosagem em gotas, e tirar uma gota por semana. Esta semana ele está em seis gotas e desesperado, porque seu cérebro decidiu não desligar quando deveria, deixando-o acordado na cama ou perambulando pela casa até por volta de duas e meia da madrugada, quando finalmente consegue dormir. Mas ele também não coopera: toma duas ou três xícaras de café depois das dez, fuma tanto que as paredes do quarto estão todas amarelas e impregnadas com cheiro de nicotina, ouve música, assiste a jornais e novelas, levanta peso – nada que facilite o sono. No outro dia, quando sai para trabalhar, está um bagaço, cansado, desanimado, com os olhos vermelhos, abrindo a boca de cinco em cinco segundos, o que torna sua jornada no escritório uma verdadeira tortura.
Ele trabalha de sete da
manhã ao meio-dia, de segunda a sábado, e à tarde escreve contos e crônicas, o
que ultimamente tem sido complicado, por causa do barulho.
Hoje ele resolveu
assistir ao vai e vem dos pedreiros na obra da casa ao lado. Sentou-se na
calçada, fumando um cigarro, e observou o trabalho daqueles que classificou
como serventes, por serem mais jovens e fazerem o serviço mais pesado. O pedreiro
era com certeza o mais velho, que dava ordens e orientava. Estavam construindo
um segundo piso na casa, onde provavelmente seria uma suíte, com janelas
grandes de correr dando para a rua.
Observou tanto os homens
trabalhando, que resolveu escrever um conto sobre eles. Foi para casa e mesmo
com o barulho das obras lhe assaltando a cabeça por todos os lados, escreveu um
texto que lhe agradou muito. De manhã tinha realizado um trabalho que
detestava: fechar folhas de pagamento de funcionários. Na verdade, detestava
tudo que fazia no escritório. Sua recompensa vinha à tarde, quando podia
escrever. Era seu maior prazer. O problema é que, se dependesse de escrever
para sobreviver, certamente morreria de fome. A vida é assim. Há aqueles
sortudos que conseguem amar o que fazem e ganhar bem a vida com isso, e aqueles
que amam fazer coisas que não lhes rendem nem um tostão furado e têm que
trabalhar em serviços que odeiam até se aposentarem, se não morrerem antes.
É noite. Ele acaba de
comer um talharim ao molho branco e coloca água para ferver para fazer um café.
Acende um cigarro, vai até a sala e se debruça sobre a janela da frente. Vê os
besouros batendo nas luzes dos postes e um gato preto atravessando a rua. Está
tudo silencioso e tranquilo. Vai à cozinha, e enquanto fuma mais um cigarro,
pensa nos dias em que terá todo o tempo livre para escrever, sem insônia, sem
barulho, sem trabalho. Suas obras...
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