Estou sentado na frente do computador, olhando a página que há poucos segundos estava em branco, mas que agora eu preencho com o que me vem à mente, sem ordem nem método, sem me preocupar com você, que arriscou iniciar esta leitura, e que talvez não a termine, mas eu entendo. Meu teclado está sujo, os espaços entre as teclas estão marrons de poeira misturada com o que provavelmente sai das mãos do meu filho quando ele fica aqui digitando e comendo: gordura de carne e batata frita, maionese e molho vermelho.
Agora imagino meu corpo sendo chacoalhado violentamente dentro de um avião que atravessa uma zona de turbulência e de repente começa a cair em direção a não sei que região tenebrosa do nosso país, se selva, pasto ou mar – não sei, porque está de noite, o ar condicionado está rugindo como um monstro que nos tritura e engole; sinto frio, tenho medo. Os compartimentos de bagagem se abrem e diversas coisas caem em nossas cabeças, junto com máscaras de oxigênio, que tentamos desesperadamente ajustar sobre nossos narizes e bocas. As luzes se apagam. Vamos morrer!
Essa cena do avião caindo me veio num lampejo de medo que senti da vida segundos antes de escrever ‘Agora imagino meu corpo...’. Que medo é esse? Às vezes penso que minha vida é como um avião caindo ou um navio afundando. No final a morte chega, inexoravelmente, não adianta gritar, chamar Deus, mãe, pai, padre ou pastor.
Mas às vezes também penso que esta vida não é só o chacoalhar de um avião, as coisas caindo em nossas cabeças, falta de ar e desespero. Dependendo do nosso estado mental, há também o voo tranquilo, em que podemos andar pelos corredores, ir ao banheiro, ler um livro, assistir a filmes, trabalhar em nossos notebooks, comer. Tudo são momentos, fases, períodos de paz e turbulência, e a queda final talvez nem seja tão violenta, mas súbita, sem aviso, ou tranquila, num processo lento, com cuidados paliativos bem conduzidos por profissionais capacitados. Há vários modos de morrer.
O avião em que me encontro não cai. Tudo se acalma, as luzes se acendem, os comissários começam a circular pelos corredores, ajudando passageiros feridos e recolhendo coisas espalhadas por todo lado. Foi só uma turbulência. É assim mesmo. O medo da vida que me levou a escrever sobre o avião foi passageiro, e é normal ter medo, por um tempo.
Estou escrevendo de novo, depois de dois anos de silêncio. As palavras fluem com facilidade da minha cabeça para a tela do computador, e sinto-me alegre por isso. Olho o relógio. Não vejo o tempo passar, é muito bom. Lá fora o céu está nublado, anunciando uma chuva para mais tarde, e assim continua, enquanto escrevo esta frase, ouvindo os passarinhos, a máquina de lavar, os carros passando em frente à casa, o chiar da minha cadeira ao me recostar. Agora sinto-me bem acomodado, mergulhado numa paz que apenas se anunciava quando acordei hoje de manhã, assustado, pensando: ‘Preciso escrever’. Não dá para continuar sem fazer as coisas que eu mais gosto: ler, escrever, pesquisar, estudar, ensinar. Preciso sair do silêncio e me embrenhar de novo na vida em busca do meu algo a mais. É aos poucos que vou conseguir.
Daqui a pouco vou lapidar este texto, retirar palavras e frases que estão sobrando. Acho que usei muito a palavra ‘medo’. Às vezes tenho pânico (para não usar medo) da vida entrar em turbulência e eu não dar conta de tanta confusão, de tantas coisas caindo sobre a minha cabeça, e eu sendo jogado para lá e para cá. Como vai ser da próxima vez? Sobrevivi a um voo terrivelmente sacolejante e sombrio que durou cerca de dois anos. Foi difícil, mas sobrevivi, e agora estou tranquilo de novo, escrevendo. Você chegou até aqui? Obrigado. Fico feliz.
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