segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

No trabalho II


"O cimento até então era o seu trabalho, era o seu dia – obediente na mistura, dócil no tempo de dar a liga, o cimento era sempre o mesmo, não mudava, era o seu salário, o seu patrão. Estava por trás de tudo, por baixo de tudo, e era na direção do cimento que seus braços compridos se moviam: armar o pequeno lago de água limpa no alto do montinho de cimento e areia, depois misturar tudo com aquela água, em golpes medidos de uma enxada ou pá, e por último, com a ajuda da pá, encher os baldes ou os carrinhos de mão com a massa úmida, pesada – às vezes, numa sombra de irritação, num cansaço antecipado, ele já acordava pensando naquilo, sentia até o cheiro: na hora em que pegava o açúcar na colher para pôr dentro da caneca de café com leite, adivinhava no ouvido o chiado da lâmina da pá ao ser enfiada no monte de areia."

Rubens Figueiredo (1956-). Passageiro do fim do dia (2010). São Paulo: Companhia das Letras, 2010, p. 101

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