segunda-feira, 18 de agosto de 2014

esse caminho não leva a lugar nenhum



"Numa das curvas mais traiçoeiras da Mulholland, Rip diminuiu a marcha e estacionou à beira da estrada e saiu e fez um gesto para que eu saísse também. Fui até onde ele estava. Apontou a quantidade de carros arrebentados ao pé do morro. Alguns enferrujados e incinerados, outros novos e amassados, de cores brilhantes, quase obscenos ao fulgor da luz do sol. Tento contar os carros; deve haver vinte ou trinta lá embaixo. Rip me falou de amigos seus que morreram naquela curva; gente que não conhecia a estrada. Gente que cometeu erros no meio da noite e saiu voando para o nada. Rip contou que, em noites sossegadas, bem tarde, pode-se ouvir o chiar de pneus e, em seguida, um longo silêncio; uma freada e depois, quase inaudível, um impacto. E, às vezes, ao se ouvir com atenção, há gritos na noite que não duram muito. Rip disse que duvidava que fossem chegar a tirar os veículos dali, que na certa vão esperar até que o local fique repleto de carros e usar isso como exemplo e enterrar tudo. E ali, na montanha, olhando de cima para o Valley tórrido, coberto de poluição, e sentindo os ventos quentes voltando e a poeira rodopiando aos meus pés e o sol, gigantesco, uma bola de fogo, nascendo, acreditei nele. Depois, quando entramos no carro ele tomou uma rua que eu tinha certeza não ter saída. 
– Aonde estamos indo? – perguntei.
– Não sei. Rodando por aí.
– Mas esse caminho não leva a lugar nenhum.
– Não interessa.
– O que interessa então? – pergunto, depois de um tempo.
– Simplesmente que estamos nisso, garotão."

Bret Easton Ellis (1964-). Abaixo de zero (1985). Porto Alegre: L&PM, 2011, p. 161-2

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