sábado, 9 de agosto de 2014

Dom Quixote



"Em suma, ele engolfou-se tanto em sua leitura, que lendo passava as noites em claro, e os dias em turvo; e assim, do pouco dormir e do muito ler, se lhe secou o cérebro de maneira que veio a perder o juízo. Encheu-se-lhe a fantasia de tudo aquilo que lia nos livros, tanto de encantamentos como pelejas, batalhas, duelos, ferimentos, galanteios, amores, desgraças e disparates impossíveis; e assegurou-se-lhe de tal modo na imaginação que era verdade toda aquela máquina daquelas sonhadas invenções que lia, que para ele não havia outra história mais certa no mundo. [...]

Então, consumido já seu juízo, veio a dar no mais estranho pensamento em que jamais deu louco algum no mundo, e foi que lhe pareceu conveniente e necessário, tanto para o aumento de sua honra como para serviço de sua república, fazer-se cavaleiro andante, e ir pelo mundo afora com suas armas e cavalo a buscar aventuras e a exercitar-se em tudo aquilo em que ele lera."

Miguel de Cervantes (1547-1616). Dom Quixote (1605)

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