"Escolher a própria máscara é o primeiro gesto voluntário humano. E solitário. Mas quando enfim se afivela a máscara daquilo que se escolheu para representar-se e representar o mundo, o corpo ganha uma nova firmeza, a cabeça ergue-se altiva como a de quem superou um obstáculo. A pessoa é.
Se bem que pode acontecer uma coisa que me humilha contar.
É que depois de anos de verdadeiro sucesso com a máscara, de repente - ah, menos que de repente, por causa de um olhar passageiro ou uma palavra ouvida - de repente a máscara de guerra de vida cresta-se toda no rosto como lama seca, e os pedaços irregulares caem com um ruído oco no chão. Eis o rosto agora nu, maduro, sensível quando já não era mais para ser. E ele chora em silêncio para não morrer. Pois nessa certeza sou implacável: este ser morrerá."
Clarice Lispector. A descoberta do mundo (crônicas, 1967-1973). Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984, p. 100-101
Foto: cena do filme "Persona" (1966), de Ingmar Bergman, que Clarice Lispector comenta em uma crônica de 2 de março de 1968 (trecho acima)
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