domingo, 29 de agosto de 2010

Para sempre, até quando?

O filme Pão e tulipas conta a história de uma dona de casa que viaja de excursão com a família, mas é esquecida pelo ônibus num restaurante de beira de estrada. Então ela aproveita a oportunidade para "tirar férias" da vida que levava: pega uma carona, vai para Veneza e começa a excursionar sozinha por uma nova vida.

Ao sair do cinema, me lembrei de uma passagem do livro Ela é carioca, de Ruy Castro. Lá pelas tantas ele conta que determinada mulher havia viajado muito e frequentado todas as festas, até que casou, teve três filhos e por pouco não se aquietou. "Se ela se distraísse, acabaria sendo feliz para sempre."

Ser feliz para sempre é o final que todos nós sonhamos para nossa história pessoal. A personagem de Pão e tulipas estava sendo feliz para sempre, até que descobriu que a felicidade muda de significado várias vezes durante o percurso de uma vida. Ninguém sabe direito o que é felicidade, mas, definitivamente, não é acomodação. Acomodar-se é o mesmo que fazer uma longa viagem no piloto automático. Muito seguro, mas que aborrecimento. É preciso um pouquinho de turbulência para a gente acordar e sentir alguma coisa, nem que seja medo.

Tem muita gente que se distrai e é feliz pra sempre, sem conhecer as delícias de ser feliz por uns meses, depois infeliz por uns dias, felicíssimo por uns instantes, em outros instantes achar que ficou maluco, então ser feliz de novo em fevereiro e março, e em abril questionar tudo o que se fez, aí em agosto ser feliz porque uma ousadia deu certo, e infeliz porque durou pouco, e assim sentir-se realmente vivo porque cada dia passa a ser um único dia, e não mais um dia.

Eu não gosto de montanha-russa, o brinquedo, mas gosto de montanha-russa, a vida. Isso porque creio possuir um certo grau de responsabilidade que me permite saber até que altura posso ir e que tipo de tombo posso levar sem me machucar demasiadamente: alto demais não vou, mas ficar no chão o tempo inteiro não fico.

Viver não é seguro. Viver não é fácil. E não pode ser monótono. Mesmo fazendo escolhas aparentemente definitivas, ainda assim podemos excursionar por dentro de nós mesmos e descobrir lugares desabitados onde nunca colocamos os pés, nem mesmo em imaginação. E estando lá, rever nossas escolhas e recalcular a duração de "pra sempre". Muitas vezes o "pra sempre" não dura tanto quanto duram nossa teimosia e receio de mudar.

Martha Medeiros, Non-stop: crônicas do cotidiano. Porto Alegre, L&PM, 2007. p. 243-4

Um comentário:

Carmélia Cândida disse...

Excelente crônica. Também aprecio muito os textos da Martha Medeiros.
Ela tem razão, a vida como montanha-russa dever ser bem mais emocionante,mas a verdade é que é tão mais fácil se acomodar... e é preciso coragem sair do que é cômodo. A maioria das pessoas não tem. E assim a vida vai...