O navegador Amyr Klink, ao ser perguntado por um repórter sobre o que sentia a respeito das pessoas que passam 30 anos trabalhando no mesmo escritório, sentadas a vida inteira diante da mesma escrivaninha, respondeu: "inveja". Klink admira quem consegue ser feliz numa rotina imutável e tediosa. Como ele não consegue, sai pelo mundo em busca de desafios.
Foi uma resposta provocativa. Inveja é justamente o que nós, seres confortavelmente acomodados, sentimos de Amyr Klink, quando o vemos excursionar por cenários glaciais de tirar o fôlego e fazendo da superação dos seus medos a sua rotina. Qual o segredo desse cara, afinal, para conciliar família e aventura? A gente também adoraria essa vida, mas a diferença entre ele e nós, acreditamos ingenuamente, é que ele tem patrocínio para sua falta de juízo, enquanto que nós temos juízo de sobra e dinheiro contadinho no final do mês.
Na verdade, nossa resignação é conveniente, já que realizar sonhos dá muito trabalho. A única diferença entre ser um navegador e ser um economista-que-sonha-em-ser-um-navegador é que um quis mesmo. O outro não quis tanto assim.
Para romper convenções e arriscar-se no desconhecido, é preciso querer mesmo. Querer mesmo escalar uma montanha, querer mesmo surfar uma onda assassina, querer mesmo filmar um documentário na África, querer mesmo ser correspondente de guerra, querer mesmo trabalhar na Nasa, só para citar outras aventuras supostamente inatingíveis. Querer mesmo, em vez de apenas querer, abre a cancela de qualquer fronteira, seja ela geográfica ou emocional.
Antes de alcançar os pontos mais indevassáveis da Antártida a bordo de barcos equipados com alta tecnologia, Klink remou bastante, não ficou em casa mentalizando seu sonho. Querer mesmo significa abrir mão de uma série de confortos, tomar muito chá de banco, ver inúmeras ideias darem errado antes de darem certo. E, em troca, ser chamado de doido varrido.
Querer, a gente quer muita coisa. Mas quase sempre é um querer preguiçoso, um querer que não nos impulsiona a levantar da cadeira, ainda mais quando nosso projeto tem 0,5% de chance de sucesso. É difícil conseguir o que se quer. Só se torna menos difícil quando se quer mesmo. Pena que alguns só querem mesmo é ser rico ou ser gostosa, para isso fazendo coisas muito mais insanas do que faz Amyr Klink. O que todos deveriam querer, mas querer mesmo, é fugir da mediocridade.
Martha Medeiros, Montanha-russa (crônicas). Porto Alegre: L&PM, 2009. p.166-7
Na verdade, nossa resignação é conveniente, já que realizar sonhos dá muito trabalho. A única diferença entre ser um navegador e ser um economista-que-sonha-em-ser-um-navegador é que um quis mesmo. O outro não quis tanto assim.
Para romper convenções e arriscar-se no desconhecido, é preciso querer mesmo. Querer mesmo escalar uma montanha, querer mesmo surfar uma onda assassina, querer mesmo filmar um documentário na África, querer mesmo ser correspondente de guerra, querer mesmo trabalhar na Nasa, só para citar outras aventuras supostamente inatingíveis. Querer mesmo, em vez de apenas querer, abre a cancela de qualquer fronteira, seja ela geográfica ou emocional.
Antes de alcançar os pontos mais indevassáveis da Antártida a bordo de barcos equipados com alta tecnologia, Klink remou bastante, não ficou em casa mentalizando seu sonho. Querer mesmo significa abrir mão de uma série de confortos, tomar muito chá de banco, ver inúmeras ideias darem errado antes de darem certo. E, em troca, ser chamado de doido varrido.
Querer, a gente quer muita coisa. Mas quase sempre é um querer preguiçoso, um querer que não nos impulsiona a levantar da cadeira, ainda mais quando nosso projeto tem 0,5% de chance de sucesso. É difícil conseguir o que se quer. Só se torna menos difícil quando se quer mesmo. Pena que alguns só querem mesmo é ser rico ou ser gostosa, para isso fazendo coisas muito mais insanas do que faz Amyr Klink. O que todos deveriam querer, mas querer mesmo, é fugir da mediocridade.
Martha Medeiros, Montanha-russa (crônicas). Porto Alegre: L&PM, 2009. p.166-7
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