Em Londres um pub está fazendo sucesso porque instalou para seus clientes uma cabine telefônica com uma sonorização peculiar: enquanto a pessoa fala no telefone, pode acessar o som de uma tranqueira no trânsito, com muito buzinaço. Ou pode acessar o som de um ambiente de escritório. Toda essa parafernália é para que quem esteja do outro lado da linha não identifique o som do bar. Assim o bebum pode dar uma desculpa esfarrapada e chegar em casa sem levar uma descompostura; afinal, estava trabalhando até tarde, o coitado, e ainda por cima ficou preso num engarrafamento depois.
Essa cabine telefônica com efeitos especiais só vem demonstrar que os bares andam muito moderninhos, mas os casamentos continuam parados no tempo, mesmo na vanguardista Inglaterra. "Só vou se você for" segue na moda. Enquanto isso a hipocrisia deita e rola.
Muitas pessoas ainda têm uma ideia convencional do casamento: encaminham-se para o altar como quem se encaminha para o supermercado em busca de um produto pronto, industrializado, com um rótulo dando as instruções de como utilizá-lo, e parece que a primeira instrução é: nenhum dos dois tem o direito de se divertir sozinho ou com os amigos, a menos que o cônjuje esteja junto. Não é de estranhar que os prazos de validade do amor andem cada vez mais curtos.
Não há paixão que resista ao grude. Não há paciência que resista à patrulha. Não há grande amor que prescinda de outras amizades. Sair sozinho para beber com os amigos deveria ser um dos dez mandamentos para uma união estável, valendo par ambos os sexos. Quem não gosta de bar pode substituir por futebol, cinema, restaurantes, shows, sinuca, saraus ou o que o Caderno de Cultura sugerir. E não perca tempo apiedando-se daquele que vai ficar em casa. Provavelmente ele vai se divertir tanto quanto. Ouvir música, ver televisão, ler livros, abrir um vinho, tomar um banho de duas horas, navegar na internet, dormir cedinho, tudo isso também é um programaço. Quem não sabe ficar sozinho não pode casar, sob pena de transformar o matrimônio num presídio a dois.
Tem muita coisa em Londres que eu gostaria de ter aqui: parques bem-cuidados, mais livrarias, mais respeito à individualidade, melhor transporte público, prédios mais charmosos. Só dispensaria o clima e esse pub pra lá de vitoriano, onde pessoas adultas são incentivadas a inventar um álibi pra justificar um atraso. Atraso é ter que mentir para que o outro não perceba que você está feliz.
Martha Medeiros, Non-stop (crônicas do cotidiano). 7 ed. Porto Alegre: L&PM, 2007. p. 66-67.
Muitas pessoas ainda têm uma ideia convencional do casamento: encaminham-se para o altar como quem se encaminha para o supermercado em busca de um produto pronto, industrializado, com um rótulo dando as instruções de como utilizá-lo, e parece que a primeira instrução é: nenhum dos dois tem o direito de se divertir sozinho ou com os amigos, a menos que o cônjuje esteja junto. Não é de estranhar que os prazos de validade do amor andem cada vez mais curtos.
Não há paixão que resista ao grude. Não há paciência que resista à patrulha. Não há grande amor que prescinda de outras amizades. Sair sozinho para beber com os amigos deveria ser um dos dez mandamentos para uma união estável, valendo par ambos os sexos. Quem não gosta de bar pode substituir por futebol, cinema, restaurantes, shows, sinuca, saraus ou o que o Caderno de Cultura sugerir. E não perca tempo apiedando-se daquele que vai ficar em casa. Provavelmente ele vai se divertir tanto quanto. Ouvir música, ver televisão, ler livros, abrir um vinho, tomar um banho de duas horas, navegar na internet, dormir cedinho, tudo isso também é um programaço. Quem não sabe ficar sozinho não pode casar, sob pena de transformar o matrimônio num presídio a dois.
Tem muita coisa em Londres que eu gostaria de ter aqui: parques bem-cuidados, mais livrarias, mais respeito à individualidade, melhor transporte público, prédios mais charmosos. Só dispensaria o clima e esse pub pra lá de vitoriano, onde pessoas adultas são incentivadas a inventar um álibi pra justificar um atraso. Atraso é ter que mentir para que o outro não perceba que você está feliz.
Martha Medeiros, Non-stop (crônicas do cotidiano). 7 ed. Porto Alegre: L&PM, 2007. p. 66-67.
Um comentário:
Vex ferments the humors, casts them into their proper channels, throws eccentric redundancies, and helps cosmos in those secretive distributions, without which the association cannot subsist in its vigor, nor the soul fake with cheerfulness.
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