sábado, 20 de outubro de 2007

A Dança dos Cabelos

"Mas, nas semanas seguintes à nossa separação, estive à beira da loucura, vagando como uma desesperada pelas ruas de Santa Cruz; até que, ingenuamente, resolvi ir mais longe à sua procura, já dominada por este silêncio que mais uma vez ameaça se apoderar de mim, agora que voltei e estou aqui para perceber estas sombras, que em seus vaivéns pelas paredes, parecem me dizer: pegue esta chave, abra esta gaveta, tire o revólver e resolva logo esta situação, como, em épocas remotas, fez um parente meu, que se deixou picar na garganta por uma das serpentes herdadas de meu avô, que orgulhava de ser o único comandante de tão excêntrico exército. Ou, com mais requintes ainda, uma mulher conhecida nossa, que morava aqui nesta casa e que depois de passar mais de vinte anos esperando pelo seu marido, que andava de cidade em cidade colecionando amantes e águas-marinhas, o envolveu em suas tranças. E entre gemidos, que se misturavam ao prazer, cortou com uma navalha o seu pescoço; ele, que apaixonadamente dizia: eu quero me envelhecer em seus braços - matando-se tempos depois - após escrever por todo o quarto, frases das quais já não me lembro.
E é nesta mulher e neste homem, que o padre, desobedecendo ordens do bispo, não deixou que fossem enterrados no cemitério pelo profano ato que praticaram e cuja história nesta região é conhecida por todos, não sendo também nenhum segredo que são os meus pais e que ainda hoje, em certas noites, se amam às escondidas entre juras de um velho desejo e vinhos que melam os seus corpos, que eu estou pensando neste início de amanhecer. Enquanto fumo mais um cigarro e rodando entre os meus dedos esta chave, ouço os ventos que estremecem as janelas, assoviando aos meus ouvidos antigas canções de ninar."

Trecho do romance "A Dança dos Cabelos", de Carlos Herculano Lopes

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