"a etelvina pusera-lhes cadeiras prontas e uma mesa onde serviu um vinho perfeito e um bolo que ela mesma fizera. a maria da graça sentara-se primeiro, as pernas quase lhe fraquejavam, e desculpava-se perguntando se podia ajudar. a quitéria agarrou nos copos, dispersou-os pela mesa e encheu-os enquanto a etelvina partia o bolo e sorria oferecendo-se toda em simpatias. a maria da graça não se lembrava de algum dia ter sido alvo de tão delicada mordomia. não passara férias nunca, senão por três noites em lua de mel quando fora para o porto e ficara no quarto de uma pensão barata a ser deflorada pelo augusto. quando bebeu o primeiro gole de vinho julgou que a vida, se fosse justa, poderia ser feita daquilo e de mais nada. ao inventar coisas, quem inventara, deveria ter-se ficado por aquilo, um vinho, uma amizade sincera, o calor magnífico do fim da tarde, a paisagem mais bela de todas. era tão fácil inventar só aquilo e só com aquilo garantir com segurança que as pessoas do mundo inteiro seriam felizes."
Valter Hugo Mãe (1971-). o apocalipse dos trabalhadores (2008). São Paulo: Cosac Naify, 2013, p. 149
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