"O roceiro sentou à sua porta num anoitecer de setembro, depois de um
dia de dura faina, a mente ainda às voltas com o trabalho. Depois de
tomar banho, sentou-se pra recrear e recriar seu homem intelectual. Era
uma noite bastante fria, e alguns vizinhos previam uma geada. Pouco
depois de se entregar ao fio de seus pensamentos, ele ouviu alguém
tocando uma flauta, e aquele som se harmonizava com seu estado de
espírito. Ainda pensava no trabalho; mas o que lhe pesava era que, embora
esse pensamento continuasse a lhe girar na mente e ele se visse
planejando e programando contra sua vontade, ainda assim aquilo pouco
lhe interessava. Era apenas a descamação de sua pele, que estava se
soltando continuamente. Mas as notas da flauta lhe chegavam aos ouvidos
vindas de uma outra esfera, diferente de onde ele trabalhava e sugeriam
trabalho para certas faculdades adormecidas dentro dele."
Henry David Thoreau (1817-1862). Walden (1854). Porto Alegre: L&PM, 2014, p. 213-14
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