"Andava de mãos na barriga. Queria o meu filho. Carregava-o com cada
pensamento. Não correria risco algum de o perder. Explicaram-me que,
naquela idade quase nenhuma, a possibilidade de perder um filho era
muito comum. O esqueleto da mãe podia partir-se. Podia vergar como as
velhas que apodreciam as rodinhas da coluna. Podia vomitar o filho como
um troço de carneiro que não fora capaz de digerir. Era tão criança que
me dava susto pensar que com um sopro o corpo se me esvaziaria
da gravidez. Como se eu não fosse um ovo, com se fosse apenas um balão.
Dava-me medo pensar que a alma dele escapasse no exercício de respirar.
Tinha um filho tão novo na barriga que talvez o seu conteúdo fosse
ainda indeciso. Dividido entre completar-se ou desistir. E eu levava
sempre as mãos à barriga e adorava sentir aquele peso e sentir-me
pesada, e esperava todos os ínfimos sinais de movimento. Vivia ansiosa.
Ansiava pelo meu filho como quem fizesse o próprio mundo nascer. Depois
que nascesse, ele ocuparia o lugar inteiro do mundo. Seria o tamanho
inteiro de cada coisa e tudo se justificaria pela sua existência.
Pensei: será o dentro de tudo."
Valter Hugo Mãe (1971-). A desumanização. São Paulo: Cosac Naify, 2014, p. 69
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