"O
meu pai ajoelhou-se perante o meu corpo aviltante e chorou. Acalentava o
desejo claro de que todas as coisas se corrigissem. Rezava pela
correção de todas as tropelias, surpresas más, erros de pressa ou
enganada decisão. O meu pai fora feliz, anos antes, jovem, apaixonado
pela minha mãe, no tempo do piano, quando ela tocava e se vestia melhor,
achava-se bonita, tinha futuro. Um futuro a definir. Ajoelhado ao meu
sofrimento, era agora um homem encurralado, impotente. Com os nervos a
toldarem-lhe as ideias. Ainda generoso, mas confuso. Não escapava de si
mesmo. Andava singular, e singular se predava, se abatia. Sozinho, o meu
pai seria suficiente para se consumir. Para se acabar."
Valter Hugo Mãe (1971-). A desumanização. São Paulo: Cosac Naify, 2014, p. 73
Valter Hugo Mãe (1971-). A desumanização. São Paulo: Cosac Naify, 2014, p. 73
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