"Gately temia e desprezava agulhas e morria de medo do Vírus, que
naqueles dias estava derrubando picadores pra tudo quanto era lado.
Fackelmann cozinhava o pó para Gately, lhe atava o cinto e deixava
Gately olhar atentamente enquanto ele rasgava a embalagem de uma seringa
novinha e o cartucho da agulha que Fackelmann conseguia com um RG falso
para comprar Iletin na saúde pública para diabetes mellitus. A pior
coisa do Dilaudid para Gately era que a passagem da hidromorfona pela
barreira hematoencefálica criava uma terrível alucinação mnemônica de
cinco segundos em que ele era um bebezão pantagruélico dentro de um
bercinho Fisher-Price XXG num campo de areia sob um céu com nuvens de
tempestade que se inflava e retrocedia como um grande pulmão cinzento.
Fackelmann afrouxava o cinto, se afastava e ficava vendo os olhos de
Gately revirarem enquanto ele começava a suar malariamente e encarava o
céu respirítico imaginário ao mesmo tempo que suas manzorras esganavam o
ar à frente exatamente como um bebê sacode as barras do berço. Aí
depois de coisa de cinco segundos o Dilaudid atravessava e batia, e o
céu parava de respirar e ficava azul. Um sono de Dilaudid deixava Gately
mudo e empapado por três horas."
David Foster Wallace (1962-2008). Graça infinita (1996). São Paulo: Companhia das Letras, 2014, p. 934
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