sábado, 18 de abril de 2015

Alucinação



"Gately temia e desprezava agulhas e morria de medo do Vírus, que naqueles dias estava derrubando picadores pra tudo quanto era lado. Fackelmann cozinhava o pó para Gately, lhe atava o cinto e deixava Gately olhar atentamente enquanto ele rasgava a embalagem de uma seringa novinha e o cartucho da agulha que Fackelmann conseguia com um RG falso para comprar Iletin na saúde pública para diabetes mellitus. A pior coisa do Dilaudid para Gately era que a passagem da hidromorfona pela barreira hematoencefálica criava uma terrível alucinação mnemônica de cinco segundos em que ele era um bebezão pantagruélico dentro de um bercinho Fisher-Price XXG num campo de areia sob um céu com nuvens de tempestade que se inflava e retrocedia como um grande pulmão cinzento. Fackelmann afrouxava o cinto, se afastava e ficava vendo os olhos de Gately revirarem enquanto ele começava a suar malariamente e encarava o céu respirítico imaginário ao mesmo tempo que suas manzorras esganavam o ar à frente exatamente como um bebê sacode as barras do berço. Aí depois de coisa de cinco segundos o Dilaudid atravessava e batia, e o céu parava de respirar e ficava azul. Um sono de Dilaudid deixava Gately mudo e empapado por três horas."

David Foster Wallace (1962-2008). Graça infinita (1996). São Paulo: Companhia das Letras, 2014, p. 934

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