quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Memórias de Adriano (II)


"Antínoo, agarrado ao meu braço, tremia, não de terror, como então supus, mas sob o peso de um pensamento que vim a compreender muito mais tarde. Um ser angustiado pelo receio de decair, isto é, envelhecer, devia ter prometido a si próprio, há muito tempo, morrer ao primeiro sinal de declínio, ou talvez muito antes. Hoje chego a crer que essa promessa, que tantos de nós fazemos sem, contudo, mantê-la, remontava há muito tempo atrás, à época de Nicomédia e do nosso encontro à beira da fonte. Ela explicava sua indolência, seu ardor no prazer, sua tristeza e sua total indiferença por qualquer plano de futuro. Mas era importante ainda que aquela partida não tivesse o ar de uma revolta, e que não incluísse nenhuma queixa. (...) A claridade da aurora foi quase nada em comparação ao sorriso que iluminou aquele rosto perturbado. Alguns dias mais tarde, revi esse mesmo sorriso, apenas mais velado, mais ambíguo: durante a ceia, Polemon, que se ocupava com a quiromancia, quis examinar a mão do jovem, a palma onde uma surpreendente chuva de estrelas assustava a mim próprio. O menino retirou a mão, fechando-a com um gesto suave, quase pudico. Pretendia guardar o segredo dos seus planos e do seu fim." (p. 185-6)
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"Pequena alma, alma terna e inconstante, companheira do meu corpo, de que foste hóspede, vais descer àqueles lugares pálidos, duros e nus, onde deverás renunciar aos jogos de outrora. Por um momento ainda contemplemos juntos os lugares familiares, os objetos que certamente nunca mais veremos... Esforcemo-nos por entrar na morte com os olhos abertos...". (p. 287)

Marguerite Yourcenar. Memórias de Adriano (1951). Rio de Janeiro: Record/Altaya

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