segunda-feira, 3 de outubro de 2011

A Via Crucis do corpo

Ele chorou um pouco. Era um belo homem, com barba por fazer e abatidíssimo. Via-se que havia fracassado. Como todos nós. Ele me perguntou se podia ler para mim um poema. Eu disse que queria ouvir. Ele abriu uma sacola, tirou de dentro um caderno grosso, pôs-se a rir, ao abrir as folhas.

Então leu o poema. Era simplesmente uma beleza. Misturava palavrões com as maiores delicadezas. Oh Cláudio - tinha eu vontade de gritar - nós todos somos fracassados, nós todos vamos morrer um dia! Quem? mas quem pode dizer com sinceridade que se realizou na vida? O sucesso é uma mentira.

(...)

Fiquei fumando. Meu cachorro no escuro me olhava.

Isso foi ontem, sábado. Hoje é domingo, 12 de maio, Dia das mães. Como é que posso ser mãe para este homem? pergunto-me e não há resposta.

Não há resposta para nada.

Fui me deitar. Eu tinha morrido.

Clarice Lispector, A Via Crucis do corpo (1974). Rio de Janeiro: Rocco, 1998, p. 38 e 40.

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