sábado, 29 de outubro de 2011

Ao Sul de Lugar Nenhum (II)

Bem, Lou não estava mentindo. Fiquei sem vê-lo por algum tempo, inclusive nos finais de semana, e, enquanto isso, eu atravessava uma espécie de inferno pessoal. Estava muito nervoso, atacado dos nervos: um barulhinho qualquer e eu saltava de susto. Eu tinha medo de ir dormir: pesadelo depois de pesadelo, cada um mais terrível do que o anterior. Ficava tudo bem se eu fosse dormir completamente bêbado, aí não acontecia nada, mas se fosse dormir meio bêbado, ou, pior ainda, sóbrio, então os sonhos começavam, sem falar que eu nunca tinha certeza se estava dormindo ou se as coisas estavam acontecendo dentro do quarto, porque, quando dormia, sonhava com o quarto inteiro, os pratos sujos, os ratos, as paredes que se enrugavam por causa da umidade, as calcinhas carimbadas que alguma puta deixou no chão, a torneira vazando, a lua como um projétil lá fora, carros cheios de pessoas sóbrias e bem-alimentadas, faróis brilhando pela janela, tudo, tudo aquilo, e eu em alguma espécie de canto escuro, suando, na escuridão e na sujeira, em meio ao fedor da realidade, o fedor de tudo: aranhas, olhos, senhorias, calçadas, bares, prédios, grama, a ausência de grama, nada daquilo pertencia a você. Os elefantes cor-de-rosa nunca apareciam, mas sim diversos homenzinhos com gestos selvagens ou então um homem enorme e aterrador, que vem estrangulá-lo ou afundar seus dentes na parte de trás do seu pescoço, você deitado de costas chafurdando em seu próprio suor, incapaz de se mover, essa coisa preta, fedorenta e cabeluda está parada ali, em cima de você, em você, em você.

Quando não era isso, era eu ficar sentado durante dias, horas de medo incomunicável, o medo se abrindo no meio do peito como um grande botão em flor, não se podia analisar o que estava acontecendo, imaginar o porquê de tudo aquilo, o que tornava as coisas ainda piores. Horas sentado em uma cadeira no meio de um quarto passam rápidas e impactantes. Cagar ou mijar são esforços tremendos, sem sentido; pentear o cabelo ou escovar os dentes: atos ridículos ou insanos. Cruzar um mar de chamas. Ou servir água em um copo para beber: parece que você não tem direito mesmo a um ato simples como esse. Decidi que estava louco, imprestável, e isso fez com que eu me sentisse sujo. Fui à biblioteca e tentei encontrar livros sobre o que fazia com que as pessoas se sentissem do jeito que eu estava me sentindo, mas os livros não estavam lá, ou, se estavam, eu não podia compreendê-los. Ir até a biblioteca não era nada fácil: todos pareciam tão confortáveis, os bibliotecários, os leitores, todos menos eu. Tive dificuldade até mesmo para usar o banheiro da biblioteca... os vagabundos lá dentro, as bichas me olhando mijar, todos pareciam mais fortes do que eu... despreocupados e seguros.

(...)

A perspectiva do suicídio estava sempre presente, forte, como formigas correndo pelas veias dos pulsos. Suicídio era a única coisa positiva. Todo o resto era negativo. E havia o Lou, feliz, limpando o interior de máquinas de fazer doces para continuar vivo. Ele era mais sábio do que eu.

Charles Bukowski, Ao Sul de Lugar Nenhum: histórias da vida subterrânea (1973). Porto Alegre, L&PM, 2011, p. 181-183.

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