Nascida no castelo de la Possonnière, no vale do Loire. As pregas na cintura alta, os longos cabelos pouco lavados. Fiava linho. Os bosques do castelo. A lua verde como uma emboscada. Os rouxinóis e o poço. A voz cantando fina. O grande território dividia-se em regiões militares; avermelhados pelo vento os servos escovavam os cavalos. As grandes chaves de ferro. O vento soprava, e na sombra o leito branco. Os cães no pátio: quinze ladravam. O ferreiro e as forjas, fole e bigorna, as forjas martelando. Aproximava-se o galopar com poeira, apeavam. Em torno do poço, ao vento, em guirlandas, as margaridas. Cobre, prata. O tio bispo. A taça de ouro. A visita do diretor espiritual; as mãos cruzadas no regaço. Sua época foi sua vida. Extinta no ano de 1513, sepulta na capela do bosque; cem anos depois os ossos foram transladados, e depois de novo transladados. Até que dela ficou o castelo em que viveu e a bela região do Loire. E no museu obra de anônimo séc. XVI, vaso que um dia pintara, dado ao estudo da arte decorativa de seu tempo.
Clarice Lispector, Para não esquecer (1978). Rio de Janeiro: Rocco, 1999. p. 38.
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