quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

Olhando fotos de Anne Sexton


"Na primeira foto, Anne Sexton olha o mar.
Sabemos que é uma praia em Virgínia,
Carolina do Norte, e que é o ano
de 48, um dia
de sua lua de mel.
...........................Tem os olhos
semifechados, enquanto ouve o rumor
das ondas, o vento que desfaz
e volta a erguer as dunas,
a água que se move com lentidão,
que traça
linhas,
curvas,
esferas.
A água que se move como a mão
de alguém que escreve a palavra oceano.
Na segunda imagem
— agora já estamos em mil novecentos e
setenta e quatro —, fuma um cigarro
perto de uma janela — por alguma razão
creio que do outro lado do vidro há um bosque —
e observa as figuras
formadas pela fumaça: peixes,
um iceberg,
.................uma sereia,
....................................um anjo
gravemente ferido na neve.
Nesta foto
tem um aspecto estranho,
parecido ao de alguém que corre para um vulcão
ou ao de alguém que acaba de largar uma faca.
Poucos
dias
depois
Anne Sexton vai se matar
nesta mesma casa;
vai deixar
seus anéis
sobre uma mesa, na cozinha,
e em seguida
entrará na garagem
com um copo
de vodka
na mão,
ligará o motor
do carro — um Cougar vermelho — e o rádio
— você imagina o que ela pôde ter ouvido? James Taylor?
Grateful Dead? Pink Floyd?—
E aguardará a morte.
Fecho o livro
Você me olha.
Sei o que está pensando:
— A vida é muito difícil.
Uma mulher é um relógio de areia."
Benjamín Prado (1961-), poeta espanhol. Olhando fotos de Anne Sexton (1928 - 1974). In: modo de usar & co (blog)

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