sábado, 29 de novembro de 2014

E todas aquelas mulheres grávidas?


"E todas aquelas mulheres grávidas? 'Ah, Theo! Ele não é adorável?' Kitsey me empurrando inesperadamente um recém-nascido de uma amiga – eu num horror todo sincero saltando pra trás como se fosse um fósforo aceso.

'Ah, às vezes leva um tempo pra nós, homens', disse complacente Race Goldfarb, observando meu desconforto, erguendo a voz acima dos bebês aos berros e tropeços numa área da sala supervisionada pela babá. 'Mas deixa eu te dizer, Theo, quando segurar o seu próprio toquinho nos braços pela primeira vez...' – acariciando a barriga da mulher grávida – 'seu coração simplesmente amolece. Porque na primeira vez em que vi o pequeno Blaine' – rosto pegajoso, cambaleando ao redor desajeitadamente – 'e olhei praqueles grandes olhos azuis, praqueles lindos olhinhos de bebê... eu fui transformado. Fiquei apaixonado. Foi, tipo, ei, amiguinho! Você está aqui para me ensinar tudo! E, estou te dizendo, diante daquele primeiro sorriso eu simplesmente me derreti todo, como acontece com todos nós, não é, Lauren?'.

'Certo', falei educado, indo até a cozinha e me servindo de uma grande dose de vodca. Meu pai também ficava absurdamente melindroso perto de mulheres grávidas (...) e, longe da sabedoria convencional de se 'derreter todo', nunca tinha conseguido suportar crianças ou bebês, muito menos toda a cena de pais corujas, mulheres sorrindo tolamente enquanto acariciavam a própria barriga e homens com crianças amarradas contra o peito. Ele simplesmente saía pra fumar ou então se esquivava sombrio pra um canto, parecendo um traficante aliciador de menores toda vez que era obrigado a participar de qualquer tipo de evento escolar ou festa infantil. Aparentemente eu tinha herdado isso dele e talvez de vovô Decker também, essa violenta aversão procriadora zunindo alto na minha corrente sanguínea; parecia algo congênito, de fábrica, genético."

Donna Tartt (1963-). O pintassilgo (2013). São Paulo: Companhia das Letras, 2014. p. 490

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