"Andando de bicicleta pela cidade a gente tem uma boa ideia do mundo. As pessoas são infelizes, as ruas são esburacadas e fedem, todo mundo anda apressado, os ônibus estão sempre cheios de gente feia e triste. Mas o pior não é isso. O pior são as pessoas más, aquelas que batem em crianças, que batem em mulheres, urinam nos cantos das ruas. Andando na minha bicicleta, vejo tudo isso e chego em casa preocupado, e minha mãe pergunta o que aconteceu, você está triste, e eu respondo não é nada, não é nada. Mas é tudo, é eu não poder ajudar ninguém, hoje mesmo vi uma velhinha ser assaltada por dois moleques e não fiz nada, fiquei olhando de longe, como se aquilo não fosse assunto meu. Será que eu vou ser igual ao meu pai, um covarde filho da puta que não teve coragem de enfrentar a trabalheira de criar uma família e fugiu? É isso? Vou ser um cagão igual a ele?"
Rubem Fonseca (1925-). Amálgama. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2013. p. 60
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