quarta-feira, 1 de maio de 2013

São duas velhas



"São duas velhas, lado a lado, no café.
Não se olham: certezas em cada uma.
A da direita: dedos no ar ao ritmo das queixas.
O ar, dócil, percebe estas velhas: em poucos anos
serão suas companheiras.
Chama-lhes irmãs pequenas, ingênuas.
As velhas prosseguem vivas e a falar de dinheiro.
Deus é interrompido pelo preço do arroz, nas conversas.
Descrevem a doença, a fraqueza e, logo a seguir, acusam
de impiedade quem ainda não é tão doente quanto elas.
Alguém as enganou.
Provavelmente sacrificam a vida pelos filhos;
esperaram pelo futuro.
Agora ele chegou e a única novidade que traz é o cansaço;
a dificuldade de movimentos,
a maneira como facilmente se esquecem do que ainda ontem
consideravam imprescindível.
Não vão morrer, hoje, já, porque não trouxeram o coração.
Voltarão, mais tarde, a casa e às orações,
depois de desejarem intimamente que os filhos se tornem ricos
e que a amiga morra primeiro."

Gonçalo M. Tavares (poeta angolano, 1970-). Poema extraído da revista "Poesia Sempre", n. 26, ano 14, 2007. Edição da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro

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