"À noite, na cama, aquecido e feliz no meu saco de dormir no bom beliche de cânhamo, via minha mesa e minhas roupas à luz do luar e sentia: 'Pobre desse rapaz Raymond, o dia dele é tão cheio de mágoa e preocupação, as razões dele são tão efêmeras, precisar viver é algo tão aterrador e penoso...', e com isso, dormia como um carneirinho. Será que somos anjos caídos que não quiseram acreditar que o nada é nada e portanto nascemos para perder aqueles que amamos e os amigos queridos um por um e afinal nossa própria vida, para ter essa comprovação?... Mas a manhã fria retornava, com nuvens escapando da garganta Lightning como se fossem uma fumaça gigante, o lago lá embaixo sempre de um cerúleo neutro, e o vazio o mesmo de sempre. Ó dentes da terra que rangem, para onde tudo isso nos levaria a não ser para alguma eternidade dourada, para comprovar que sempre estivemos errados, para comprovar que a comprovação em si mesma não valia nada..."
Jack Kerouac. Os vagabundos iluminados (1958). Porto Alegre: L&PM, 2011. p. 246
Imagem: vista de uma trilha em direção ao pico Desolation, onde Jack Kerouac passou 63 dias como observador de incêndios ("fire lookout") no verão de 1956
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