sexta-feira, 19 de abril de 2013

Os vagabundos iluminados



"O quintal era cheio de pés de tomate prestes a amadurecer, e hortelã, hortelã, tudo cheirava a hortelã, e uma bela árvore antiga sob a qual eu adorava me sentar para meditar naquelas noites frescas estreladas e perfeitas de outubro na Califórnia, incomparáveis às de qualquer lugar do mundo. Tínhamos uma cozinhinha perfeita com fogão a gás, mas sem geladeira, mas não fazia mal. Também tínhamos um banheirinho perfeito com banheira e água quente, e um cômodo principal, coberto com almofadas e esteiras de palha e colchões para dormir, e livros, livros, centenas de livros, tudo desde Catulo até Pound incluindo Blyth e discos de Bach e Beethoven (e até mesmo um disco bem animadinho de Ella Fitzgerald com Clark Terry tocando trompete de maneira muito interessante) e um bom fonógrafo Webcor de três velocidades que tocava alto o bastante para mandar o telhado pelos ares: e o telhado não passava de compensado, as paredes também; certa noite, em uma de nossas bebedeiras zen-lunáticas, exultante, enfiei o punho através da parede, e Coughlin viu o que eu tinha feito e enfiou uns dez centímetros da cabeça ali."

Jack Kerouac. Os vagabundos iluminados (1958). Porto Alegre: L&PM, 2011. p. 21

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