sexta-feira, 19 de abril de 2013

A descoberta do mundo


"Eu ia andando pela Avenida Copacabana e olhava distraída edifícios, nesga de mar, pessoas, sem pensar em nada. Ainda não percebera que na verdade não estava distraída, estava era de uma atenção sem esforço, estava sendo uma coisa muito rara: livre." (p. 484)
..................................................
"Se recebo um presente dado com carinho por pessoa de quem não gosto - como se chama o que sinto? A saudade que se tem de pessoa de quem a gente não gosta mais, essa mágoa e esse rancor - como se chama? Estar ocupada - e de repente parar por ter sido tomada por uma súbita desocupação desanuviadora e beata, como se uma luz de milagre tivesse entrado na sala: como se chama o que se sentiu?" (p. 11)
..................................................
"O resto do dia poderia ter sido chamado de horrível, se o menino tivesse a tendência de pôr as coisas em termos de horrível ou não horrível. Ou poderia se chamar de 'deslumbrante', se ele fosse daqueles que esperam que as coisas o sejam ou não." (p. 470)
..................................................
"Morrer deve ser assim: por algum motivo estar-se tão cansado que só o sono da morte compensa. Morrer às vezes parece um egoísmo. Mas quem morre às vezes precisa muito." (p. 205)
..................................................
"São José é o símbolo da humildade. Ele sabia que não era o pai da Criança e cuidava da virgem grávida como se ele a tivesse germinado.

São José é a bondade humana. É o auto-apagamento no grande momento histórico. Ele é o que vela pela humanidade." (p. 233)
..................................................
"- Vinícius de Morais e eu - o poetinha me deu autorização expressa para dizer isso - Vinícius e eu gostaríamos de ser cremados depois que tudo terminasse. O poeta, porque sofre de claustrofobia, e eu porque acho mais higiênico. Mas como só se cremam corpos em São Paulo, temos medo de morrer antes de pegar o avião que nos leve até lá.

E mais tarde:

- Sou um existencialista, Clarice. Aceito cada momento como se fosse o último. Resultado: sou um drama permanente. A cada minuto consulto o meu coração e ajo em consequência." (p. 714)
..................................................
"A busca do prazer me tem sido água ruim: colo a boca e sinto a bica enferrujada, escorrem dois pingos de água morna: é a água seca. Não, antes o sofrimento legítimo que o prazer forçado." (p. 637)

Clarice Lispector. A descoberta do mundo (crônicas de 1967-1973). Editora Nova Fronteira.

Nenhum comentário: