sexta-feira, 26 de abril de 2013

Noite de inverno no deserto



"Voltei para o acampamento e estendi o saco de dormir e agradeci ao Senhor por tudo que Ele me oferecia. Agora a lembrança de toda aquela tarde diabólica fumando maconha com mexicanos de mãos leves em uma sala cheirando a mofo iluminada por velas era um sonho, um sonho ruim, como um dos sonhos que tive sobre a esteira de palha no Riacho do Buda, na Carolina do Norte. Meditei e rezei. Realmente não existe nenhum tipo de noite de sono no mundo que possa se comparar à noite de sono que se tem em uma noite de inverno no deserto, desde que se esteja bem acomodado e aquecido em um saco de dormir de pena de pato. O silêncio é tão intenso que dá para ouvir o próprio sangue rugindo nos ouvidos, mas mais alto do que isso, de longe, é o bramido misterioso que eu sempre identifico com o bramido do diamante da sabedoria, o misterioso bramido do próprio silêncio, que é um magnífico Shhhh que serve como lembrete de algo que a gente parece ter esquecido em meio à estafa dos dias desde que nascemos. Gostaria de explicar isso às pessoas que eu amo, à minha mãe, ao Japhy, mas simplesmente não existem palavras que possam descrever o nada e a pureza daquilo."

Jack Kerouac. Os vagabundos iluminados (1958). Porto Alegre: L&PM, 2011. p. 162

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