sexta-feira, 13 de julho de 2012

Paz


Ah, não me tragam originais
para ler, para corrigir, para louvar
sobretudo para louvar.
Não sou leitor do mundo nem espelho
de figuras que amam refletir-se
no outro
à falta de retrato interior.
Sou o Velho Cansado
que adora o seu cansaço e não o quer
submisso ao vão comércio da palavra.
Poupem-me, por favor ou por desprezo,
se não querem poupar-me por amor.
Não leio mais, não posso, que este tempo
a mim distribuído
cai do ramo e azuleja o chão varrido,
chão tão limpo de ambição
que minha só leitura é ler o chão.

(...)

O senhor saiu. Hora que volta? Nunca.
Nunca de corvo, nunca de São Nunca.
Saiu pra não voltar.
Tudo esqueceu: responder
cartas; sorrir
cumplicemente; agradecer
dedicatórias; retribuir
boas-festas; ir ao coquetel e à noite
de autógrafos-com-pastorinhas.

(...)

Vocês, garotos de colégio, não perguntem ao poeta
quando nasceu.
Ele não nasceu.
Não vai nascer mais.
Desistiu de nascer quando viu que o esperavam
garotos de colégio de lápis em punho
com professores na retaguarda comandando:
Cacem o urso-polar,
tragam-no vivo para fazer uma conferência.

(...)

Quero a paz das estepes
a paz dos descampados
a paz do pico de Itabira quando havia pico de Itabira
a  paz de cima das Agulhas Negras
a paz de muito abaixo da mina mais funda e esboroada
de Morro Velho
a paz
da paz.

Carlos Drummond de Andrade, Antologia Poética (1962)

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