segunda-feira, 16 de julho de 2012

a aranha

então houve um tempo em
New Orleans
em que eu vivia com uma gorda,
Marie, no Bairro Francês
e fiquei bastante doente.
enquanto ela estava no trabalho
ajoelhei-me
naquela tarde
na cozinha e
rezei. não sou um homem religioso
mas era uma tarde escura demais
e eu rezei:
"caro Deus: se você me poupar,
prometo-lhe nunca mais tomar
outro trago".
fiquei ali de joelhos e foi como estar
num filme -
ao terminar minha oração
as nuvens se abriram e o sol
rasgou as cortinas
e deitou sobre mim.
então me ergui e fui dar uma cagada.
havia uma aranha enorme no banheiro da Marie.
mas caguei do mesmo jeito.
uma hora depois comecei a me sentir muito
melhor. dei uma volta pelo bairro
e sorri para as pessoas.
parei na mercearia e comprei
uma dúzia de cervejas para Marie.
comecei a me sentir tão bem que uma hora depois
me sentei na cozinha e abri
uma das cervejas.
esvaziei-a e depois outra
e então fui lá e
matei a aranha.
quando Marie voltou do trabalho
eu lhe dei um beijo daqueles,
depois sentei na cozinha e conversamos
enquanto ela preparava o jantar.
ela me perguntou o que eu tinha feito naquele dia
e eu lhe disse que tinha matado uma
aranha. ela não ficou
braba. era uma boa
pessoa.

Charles Bukowski, O amor é um cão dos diabos (1977). Porto Alegre, L&PM, 2011, p. 41

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